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Review: A Grande Inundação – A verdadeira Tragédia Não é Climática

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O novo filme coreano que estreou na Netflix é sobre uma catástrofe natural que exterminou quase toda a raça humana. Mas o longa também pode ser uma analogia para outro tipo de tragédia: o isolamento social.

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revisado por Tabata Marques

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Sinopse de A Grande Inundação

“A Grande Inundação” (em inglês, The Great Flood) é dirigido por Kim Byung-woo e tem, em sua narrativa, duas representações: da tragédia climática ao drama emocional, sobre lembranças, culpas e a pergunta sobre o que vai realmente salvar a espécie humana.

A premissa começa como um thriller de catástrofe bastante comum: Ko An-na (interpretada por Kim Da-mi) está sozinha com o filho pequeno, Ja-in (Kwon Eun-sung), e uma colossal inundação transforma suas vidas em uma corrida vertical para se salvar. O desespero se faz presente a cada vez que tentam encontrar uma saída, um modo de sobreviver em meio a pessoas igualmente desesperadas e, às vezes, também precisando de ajuda.

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O que se revela após pouco tempo de história é que An-na é uma peça-chave de um projeto ligado ao futuro da humanidade. Com a presença de Hee-jo (Park Hae-soo), um agente encarregado de extraí-la em meio ao caos, o filme começa a revelar sua verdadeira intenção: não ser apenas um desastre, mas também ficção científica e drama psicológico sobre relações e sentimentos.

Conforme a trama avança, descobrimos que a enchente não é apenas um evento climático apocalíptico, mas também um laboratório, um mecanismo de aprendizado. É como se sobreviver, o afeto e aquilo que nos torna humanos pudessem ser medidos, simulados e, quem sabe, replicados.

Crítica

A crítica especializada, por vezes, reconhece o impacto do conceito, mas questiona a forma como ele se desenrola. A Variety observou que o filme parece, em certo ponto, uma colagem mal estruturada, onde o épico parece querer se destacar, mas nunca alcança seu objetivo. Já o The Guardian elogia o desvio para um sci-fi mais cerebral, mas também aponta que, quando o filme entra nessas camadas recursivas e mais abstratas, ele se torna difícil de se sustentar dramaticamente.

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No Rotten Tomatoes, o filme conta com notas de 50% da crítica e 36% do público. Ou seja, não chegou a agradar tanto assim.

Mas o que se pode tirar dessa narrativa que tenta subverter o gênero de filme catástrofe, transformando-o em um drama afetivo?

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Paralelos

Algo que a história explora são as tentativas do experimento para replicar os sentimentos humanos, como o afeto entre mãe e filho. Mas podemos ampliar essa visão e pensar em como o longa pode ser também uma analogia aos nossos tempos modernos, onde muitos estão perdendo a capacidade de se conectar pessoalmente.

Em um mundo onde a tecnologia muitas vezes parece ter assumido o papel de mediadora das relações humanas, pesquisadores e especialistas levantam questões sobre como o uso excessivo de redes sociais, intensificado durante e depois da pandemia de COVID-19, está alterando de maneira profunda nossa capacidade de criar vínculos afetivos genuínos.

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O uso de redes sociais aumentou consideravelmente durante a pandemia, quando milhões de pessoas foram obrigadas a se isolarem fisicamente. Com isso, o tempo gasto em plataformas como Instagram, Facebook e TikTok cresceu consideravelmente, e permaneceu elevado mesmo depois disso.

Essa intensificação do uso digital tem dois lados. Por um lado, as redes sociais foram cruciais para manter algum grau de conexão quando o contato presencial era impossível; por outro, esse contato digital é absolutamente diferente do convívio face a face.

Outro detalhe preocupante é que o uso mais frequente de mídias digitais durante a pandemia esteve associado a emoções negativas mais intensas e a uma ampliação de lacunas em relacionamentos, como na capacidade de confiar em seus familiares ou em estranhos. Relacionamentos sólidos dependem de confiança, vulnerabilidade e reciprocidade, qualidades estas que se corroem quando nossas interações são desenvolvidas apenas nas telas e por algoritmos.

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O isolamento forçado da pandemia também contribuiu para uma ampla desconexão social. Quando oportunidades de interação, como conversar na fila da padaria ou encontrar amigos e parentes, desapareceram, as pessoas recorreram quase exclusivamente ao digital para manter suas vidas sociais. Essa ausência prolongada de encontros presenciais afetou nossas estruturas emocionais, porque os vínculos requerem presença, linguagem não verbal e um tipo de atenção difíceis de replicar em uma tela.

Quando o engajamento se torna superficial, isso pode diminuir a capacidade de intimidade e empatia. As relações passam a ser mediadas por métricas e estímulos instantâneos, não pela presença humana.

O impacto total da pandemia, combinado ao uso intensivo de redes, nos isolou em relações em que o afeto não se constrói; ele se projeta em telas e, por vezes, é extremamente superficial, destruindo nossa capacidade de sentir de fato e criar laços reais.

Dessa maneira, a Inundação do longa também pode ser interpretada como um paralelo à lacuna emocional que nos cerca. A salvação da humanidade, representada por An-na e sua relação com o filho artificial, é uma analogia ao que precisamos resgatar para continuarmos humanos. Para nos salvar como espécie antes que nossas capacidades afetivas sejam comprometidas.

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Ideia e Execução

A premissa da produção é muito boa, mas seu desenvolvimento, no entanto, não é totalmente positivo. Por vezes, o filme se torna confuso durante as várias repetições da missão de An-na e, mais do que confuso, acaba ficando cansativo. Não existem muitas variações profundas no desenvolvimento da trama, e a missão quase sempre se repete com pequenas alterações.

A sobreposição de tentativas pode confundir os espectadores menos atentos, pois, com o tempo, a única maneira de sabermos quantas vezes a protagonista já tentou é pelo número na camiseta dela. Esses números são mostrados muito rapidamente e, infelizmente, sem qualquer passagem interessante no longa, apenas jogados na tela de forma explícita e sem sutileza.

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Também é difícil, para os menos pacientes, criar qualquer empatia pelo garoto Ja-in, o que compromete nossa imersão. Em sua tentativa de mostrar que a criança, ainda que artificial, possui sentimentos reais pela mãe, ele acaba se tornando mais um empecilho do que um ponto de conexão. Sua presença é tão irritante que chega a nos fazer questionar se realmente vale a pena salvá-lo. Isso logicamente distancia o público do objetivo do filme, que é nos fazer refletir e sentir afeto e empatia.

Os demais personagens também não criam conexão com quem assiste, talvez porque suas participações sejam tão rápidas e suas personalidades tão pouco desenvolvidas. Um problema sério para um filme sobre conexões.

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Vale a pena assistir A Grande Inundação?

Honestamente, se você está acostumado com produções mais consistentes em seu desenvolvimento, apesar da boa premissa, não vale a pena.

É provável que você pense em desistir do longa pela metade.

Mas, se procura apenas um passatempo sem qualquer ambição de mergulhar completamente no drama dos personagens, pode dedicar sua atenção.

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No meu caso, a única coisa que consegui tirar de positivo foi a reflexão sobre como essa Inundação fala mais sobre nosso isolamento social nas redes do que sobre uma catástrofe natural. Contudo, ficaria mais satisfeita se o filme tivesse realmente o peso e a profundidade que propõe.

E quanto a você, leitor, já assistiu ao filme? Pensou nessa analogia sobre isolamento, empatia e afeto ou teve uma experiência completamente diferente, talvez mais positiva, com o longa? Nos conte nos comentários abaixo!

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