
Sobre a Trama de Caixão de Vidro
O cinema de terror asiático tem o grande diferencial que é nos carregar para dentro de um horror que foge do gore e dos sustos com música alta, usado em demasia no cinema americano. Ele nos joga dentro de um horror quase mudo, onde o medo está no que nos atinge psicologicamente. No vazio. No que não podemos ver ou fugir.
Assim, a Ásia já nos trouxe gratas surpresas como O Chamado, O Grito, O Lamento, e agora a Netflix aposta em mais um título para sua lista: O Caixão de Vidro. Com o título original de Tomb Watcher, esse thriller psicológico tailandês tem direção de Vatanyu Ingkavivat e traz no elenco principal Woranuch Bhirombhakdi como Lunthom, Thanavate Siriwattanagul como Chev e Arachaporn Pokinpakorn como Rossukhon.

Caixão de Vidro conta a história de Chev, um viúvo que se muda para uma casa isolada com sua amante, Ros. O problema começa bem aí, porque para herdar a fortuna da recém falecida esposa Lunthom, eles precisam cumprir uma cláusula: passar cem dias na casa no meio da floresta, ao lado do corpo dela, preservado dentro de um caixão de vidro.
Essa convivência forçada se torna um terreno fértil para algo pior do que lembranças sórdidas. Aos poucos, o confinamento traz à tona tensões, ressentimentos e fenômenos sobrenaturais que transformam a experiência em pesadelo.
Apesar da premissa que levanta curiosidade, o filme peca por ousar pouco e optar pela mesmice.
O simbolismo seria um ponto alto, já que o caixão de vidro pode ser interpretado não apenas como um detalhe mórbido, mas reflexo do passado que insiste em voltar, dos segredos que não podem ser enterrados. Ainda assim, o roteiro se apoia em alguns clichês de gênero, sustos previsíveis, vultos aqui e ali e portas rangendo, que frustram quem procura novidades.
A crítica

No IMDb, a nota está em torno de 5,6, já no MyDramaList, o filme alcança 7,2, o que deixa claro que parte do público até que gostou da ideia.
Entre críticos, a impressão não é muito diferente, pode até ser instigante, com atuações razoáveis, atmosfera bem produzida, no entanto se limita a apelar por clichês e pela falta de profundidade psicológica e emocional.
Interpretações Simbólicas
Se você é como eu e tenta lapidar algumas pedras em joias, talvez consiga ver nesse longa alguns simbolismos interessantes.
Confinamento
O ponto mais forte do filme seria o desconforto psicológico. Convivendo com a morte de forma literal, Chev e Ros são obrigados a encarar não apenas o cadáver, mas também os próprios ossos no armário. O caixão se torna um lembrete constante da traição e da culpa, algo impossível de ignorar.
A relação entre o viúvo e a amante, que deveria ser a fuga rumo ao recomeço, fica tomada pela paranoia. Lunthom, mesmo morta, está entre eles, sua presença no caixão é a encarnação do inconsciente coletivo do casal, aquilo que eles não conseguem ignorar.
A casa isolada reforça esse aspecto. Mais do que um local físico, ela funciona como prisão mental, refletindo ansiedade, deterioração emocional e a sensação de que não há como escapar.

Outros Simbolismos
O caixão de vidro talvez funcione como metáfora da impossível condição de esconder segredos. Tudo está às claras, não há como enterrar. Ele também reflete a ideia do relacionamento corrompido, que aparenta perfeição enquanto apodrece por dentro.
Os cem dias carregam peso cultural e narrativo. Em algumas tradições fúnebres asiáticas, esse número marca a passagem bem-sucedida do morto para uma vida nova. No filme, esse tempo funciona como contagem regressiva, em que cada dia traz à tona mais verdades desagradáveis.
Já o corpo preservado de Lunthom é a personificação do passado que não se dissolve. Mesmo morta, ela continua existindo como memória, lembrando que algumas presenças não podem ser descartadas. E as manifestações sobrenaturais podem ser lidas de dois modos: como fantasmas reais ou como culpa.
No fim, a pergunta não é apenas se os personagens suportarão os cem dias, mas se é possível escapar do peso das consequências, da culpa e dos segredos.

Vidro Rachado
Apesar da premissa instigante, o filme não escapa de erros que comprometem sua criatividade. O primeiro deles é o ritmo. O início se arrasta em diálogos expositivos e cenas poucos tensas. Só próximo ao clímax é que a narrativa cresce, trazendo o suspense que o gênero precisa para se tornar interessante.
A imagem de Woranuch Bhirombhakdi, como uma presença fantasmagórica da esposa, cai numa figura quase caricata, o que tira muito o impacto do horror. Talvez se apostassem em deixar a figura menos explícita, mais sutil, o suspense se mantivesse eficiente.
Por que não explorar mais o personagem do guia espiritual que aparece com sua presença marcante? Não, o enredo opta por fazer o público acreditar que ele terá uma contribuição pertinente na trama, mas se mostra apenas um adendo rápido e beirando o desnecessário.
Outro problema é a insistência nos clichês. O roteiro não escapa das entediantes portas barulhentas, personagens acordam aos pulos de pesadelos, vultos que surgem de repente e sustos "surpresas", artifícios que não surpreendem um público acostumado ao terror asiático e que já saturou nos filmes hollywoodianos. Esses recursos não são mal-executados, mas tiram força da psicologia e simbologia do filme, que poderia ter ousado em vez de repetir fórmulas.

A superficialidade dos personagens e suas relações também pesam contra a obra. Além, é claro, dos três protagonistas em si: o triângulo entre viúvo, amante e esposa falecida poderia ser explorado com mais profundidade, deixando à mostra dilemas emocionais sobre desejo, culpa e rivalidade. Porém, toda essa relação se limita a um pano de fundo para os sustos, deixando de lado a oportunidade de aprofundar as motivações e contradições dos personagens.
Não existe qualquer explicação para a doença da esposa, tratada como algo que simplesmente a acometeu, sem qualquer motivo verossímil. Quase como se morresse literalmente de tristeza.
Sem contar a falha da regra básica do cinema "mostre, não fale". O descontentamento de Chev com Lunthom é apenas dito explicitamente por ele; em nenhum momento isso é mostrado em cena, em alguma dinâmica entre um casal que, nas cenas de abertura do longa, se mostrou tão apaixonado. Isso causa a sensação de que não havia, desde o início, qualquer sentimento amoroso de Chev para com Lunthom.

Há também o arquétipo junguiano de Hera levado à risca no roteiro, de um modo prejudicial ao todo da obra, transformando Ros na única vítima da vingança de Lunthom pela traição sofrida. A esposa volta toda a sua fúria contra a amante até o final do ato três do filme, onde a tortura alcança finalmente o marido. Assim como uma Hera vingativa, que escolhe castigar apenas as amantes de Zeus, deixando o rei do olimpo impune de sua deslealdade; o que pode irritar bastante o público feminino que busca um equilíbrio entre gêneros.
Por fim, o desfecho, apesar de impactante visualmente, passa a sensação de que o filme preferiu chocar em vez de esclarecer ou aprofundar alguns pontos propostos. A sugestão de uma metáfora sobre o enfrentamento ao passado se desfaz em um final corrido.

Vale a Pipoca?
Depende do seu ponto de vista. Se a ideia é assistir a um terror psicológico profundo, que mexa nas suas engrenagens cerebrais, é melhor procurar outra opção. Mas para quem gosta de sustos clichês, metáforas e a sensação de desconforto que o "terror pipoca" provoca, é uma experiência divertida.
No fim, o longa é igual a chocolate barato: tem apenas 25% de cacau, mas mata a vontade.

E aí, você curte um terror cheio de tensão, mesmo recheado de clichês, ou prefere filmes mais profundos e perturbadores, como Midsommar e O Lamento? Depois desse review, vai dar play em O Caixão de Vidro ou vai enterrar de vez essa opção? Nos conte nos comentários!

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