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Antes de nos aprofundarmos no que mais esse dorama carrega consigo, vamos à sua premissa inicial:
Trabalho Honesto, ou A Virtuous Business em inglês, é um dorama remake da série britânica de 2016 Brief Encounters, de Oriane Messina e Fay Rusling. A versão sul-coreana foi escrita por Choi Bo-rim, dirigida por Jo Woong e estrelada por Kim So-yeon, Yeon Woo-jin, Kim Sung-ryung, Kim Sun-young e Lee Se-hee.

Ambientada no ano de 1992, na aldeia rural de Geumje, o enredo conta a história de quatro mulheres que decidem vender brinquedos eróticos para suas vizinhas — às vezes em reuniões, às vezes de porta em porta. Cada uma tem seu motivo particular para se envolver em um negócio tão estigmatizado, ainda mais nos anos 90.
Com o passar do tempo, essas mulheres desenvolvem uma amizade leal e, juntas, sonham em conquistar sua independência financeira.
Porque Não é Um Trabalho Nada Fácil
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Se esse dorama se passasse nos dias de hoje, ele ainda seria visto como algo desconfortável para alguns. Agora, imagine esse assunto em uma zona rural, com poucas pessoas e mentalidade rígida, nos anos 90, em um país de cultura conservadora como a Coreia.
Para entender como esse trabalho seria tão malvisto por lá, é importante conhecer um pouco da história das mulheres na Coreia.
Antes da adoção da filosofia confucionista, as mulheres coreanas desfrutavam de maior liberdade e status. O xamanismo, por exemplo, muitas vezes era liderado por mulheres, refletindo uma sociedade mais igualitária em relação aos gêneros.
Mas com a ascensão da dinastia Joseon (de 1392 até 1897) e a adoção do confucionismo como regra social, houve uma transformação drástica no status feminino. O confucionismo tinha um foco rígido na hierarquia familiar patriarcal, que relegava as mulheres ao segundo plano: deveriam cuidar da casa e criar os filhos. Passaram a ser vistas apenas como esposas, mães e filhas.

Muitas foram excluídas do sistema educacional e da vida pública. O que dominava sua existência era o ideal confucionista das “três obediências”: obedecer ao pai antes do casamento, ao marido depois do casamento e ao filho após a morte do marido, restringindo assim sua autonomia.
A partir do século XX, principalmente depois da Guerra da Coreia, mudanças econômicas e movimentos feministas fortaleceram a luta por direitos iguais. As mulheres passaram a exigir acesso à educação e oportunidades de trabalho.
Porém, ser mulher na Coreia nos dias atuais ainda é complexo. Muitas, mesmo com qualificações tão boas ou melhores que as dos homens, não conseguem alcançar as mesmas posições. Além disso, ainda enfrentam assédio sexual, discriminação e a dupla jornada de trabalho ao se tornarem mães. Mães solteiras continuam a ser muito malvistas socialmente.
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E há ainda a pressão sobre aparência, beleza e comportamento. O padrão de beleza feminino no país é tão irreal que submete muitas mulheres a diversos procedimentos cirúrgicos.
Quando somamos todos esses aspectos sociais que recaem sobre as mulheres coreanas, dá para entender por que vender brinquedos eróticos nos anos 90 seria praticamente um ultraje social, não é mesmo?
Amizade Para Suportar
Apesar das motivações particulares de cada uma (que serão listadas adiante), um dos fatores que faz com que nossas protagonistas encarem o preconceito e continuem com seu trabalho, suportando ofensas e até ataques físicos, é algo além do dinheiro: é a amizade.
A corrente afetiva que se forma entre as quatro é a força motriz que as empurra adiante, que faz uma carregar a outra mesmo quando a carga fica pesada demais.
E, ouso dizer, esse é o tema melhor trabalhado na série, ao lado do preconceito em torno do trabalho e dos objetos que elas vendem.

É reconfortante ver o laço entre elas se estreitar, compartilhando assuntos íntimos, como suas fantasias sexuais (coisas que nem contaram aos maridos, por medo de julgamento) ou mesmo se unindo para uma vingança contra uma traição.
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Destaque também para a diferença de idade, personalidade e status entre elas: nem isso abala o foco e a união do grupo. Um ponto superpositivo da série, que faz a gente acreditar e torcer por essa amizade.
Por Que Trabalhar Com Isso?

Cada uma tem seu motivo particular que culmina, claro, no resultado final: o dinheiro. Com exceção talvez de uma delas, que já levava uma vida confortável e que, ao que tudo indica, embarca no negócio para se sentir viva, socialmente realizada de algum modo.
Han Jeong-Suk (Kim So-Yeon)

É uma bela dona de casa que já participou até de concursos de beleza na vila. Casou-se com seu amor de infância, que se revelou um imprestável: não para em nenhum emprego e gasta o pouco que ganha em negócios duvidosos.
Com uma vida modesta e mãe de um filho, Han Jeong-Suk se vê pressionada quando o marido gasta o dinheiro do aluguel. Para piorar, ela o flagra traindo-a com sua melhor amiga.
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Disposta a dar a volta por cima e melhorar sua situação, decide ingressar nesse negócio estigmatizado, enfrentando todos para garantir uma vida melhor ao filho. Enquanto vende brinquedos eróticos, descobre um talento inesperado para marketing e vendas.
Oh Geum-Hui (Kim Sung-Ryoung)

Geum-Hui nasceu em uma família rica e se formou em uma excelente faculdade. Casou-se em um arranjo familiar e mudou-se para Geumje, cidade natal do marido farmacêutico. Vivendo uma rotina tediosa, conhece Han Jeong-Suk, que trabalha para ela como governanta.
Um dia, a pedido de Han Jeong-Suk, cede sua casa para uma reunião de vendas dos produtos importados. Divertindo-se com a experiência, começa a vendê-los também, o que a leva a refletir sobre sua vida, seus desejos e suas realizações.
Seo Young-Bok (Kim Sun-Young)

Mãe de quatro filhos, é a que tem condição mais humilde, mas em compensação conta com um marido que faria de tudo por ela — embora não consiga emprego, por razões que descobrimos no decorrer da série. A história de Seo Young-Bok mostra que, embora o amor seja importante, ele não basta para sustentar uma família. Por isso, ela começa a trabalhar com Han Jeong-Suk e logo se torna sua maior incentivadora e melhor amiga.
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Lee Ju-Ri (Lee Se-Hee)

Mãe solteira de um filho de inteligência precoce, Lee Ju-Ri é a mais jovem do grupo. Já aprendeu a lidar com o assédio e os ataques que sofre por ser independente. Tem um pequeno salão de beleza, mas, para complementar a renda (e agitar a vida que considera monótona), começa a vender os produtos com as colegas. É ela quem anima as demais quando as situações ficam frustrantes.
Kim Do-Hyeon (Yeon Woo-Jin)

Policial que cresceu como filho adotivo. Após ser promovido, muda-se para Geumje, onde passa a resolver crimes cotidianos e tentar desvendar o segredo de um crime antigo, envolvendo incêndios e o roubo de crianças. Apesar de haver um mistério, a trama de Kim Do-Hyeon é a que menos empolga. Falta urgência, emoção e profundidade.
O final de seu arco é satisfatório, mas as coincidências forçadas deixam a resolução pouco convincente.
Apesar de Bom, Não É Perfeito
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Trabalho Honesto é um dorama que nos faz refletir sobre nossas vergonhas, receios de nos mostrar e de falar sobre nossas vontades e necessidades. Sobre nos conhecermos, nos descobrirmos. E, principalmente, sobre as mulheres que se fortalecem quando se apoiam e se escutam. Ainda mais quando sabemos que muitos (e em qualquer país) querem nos diminuir apenas por sermos mulheres.
No entanto, em termos de roteiro, a série poderia ter explorado mais o preconceito em torno do trabalho, o impacto na vila, nas clientes e em seus lares; tanto positivo quanto negativo. Por ser um tabu tão grande, caberia aprofundar mais essas repercussões.

Outro ponto é a trama de Kim Do-Hyeon. Como já mencionei, além de não empolgar, parece acontecer em paralelo, sem se integrar à história principal. Quando finalmente entendemos o porquê de existir, a construção é abrupta, quase toda despejada nos capítulos finais. Soa apressado.
Aliás, todo o último episódio parece atropelado: uma viagem que não acrescenta nada ao enredo, destruição de bens e a volta de uma personagem apenas para trazer uma motivação que não teremos tempo de acompanhar.
A passagem de tempo que encerra tudo salta anos no futuro, com a protagonista já bem-sucedida, mas sem mostrar como chegou lá. Faltou mostrar a evolução, mesmo que em breves imagens.

Uma pena um final tão condensado para uma série que dedicou tanto tempo a uma subtrama menos cativante. Esse tempo poderia ter sido investido no desenvolvimento do tema principal.
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Vale a Pipoca?
Apesar dos pontos fracos, a série vale, sim, a pipoca! Não é inesquecível, mas compensa pelos temas pouco explorados e pela ousadia de fugir do romance de sempre, concentrando-se na amizade e na luta dessas quatro mulheres para vencer na vida, apesar da opressão social.
E aí, teria coragem de assistir a Trabalho Honesto ou o tema é tabu demais para você também?

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