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Os 10 melhores roteiros da história do cinema (segundo a WGA)

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Em 2006, o Writers Guild of America divulgou sua lista definitiva dos melhores roteiros já escritos. A seleção reúne obras que redefiniram gêneros, formas narrativas e personagens. Aqui revisitamos os dez primeiros colocados e exploramos o que há de especial nessa lista!

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Sobre o Writers Guild of America

Em 2006, o Writers Guild of America, o sindicato dos roteiristas dos Estados Unidos, resolveu montar um cânone. O gesto tem algo de arqueológico: escolher, entre quase um século de cinema narrativo, quais roteiros deveriam ser carregados para o futuro como referência máxima. O resultado foi uma lista que não só consagra títulos incontornáveis, mas também cristaliza a força da escrita como espinha dorsal do cinema.

A lista tem um caráter histórico delicioso: ela captura o ponto de vista dos roteiristas sobre sua própria profissão. Está menos interessada no glamour da direção e mais na estrutura, nos diálogos, no desenho dramático, na invenção formal. Hoje, quase vinte anos depois, ela permanece como um documento de época… mas também como um lembrete potente daquilo que faz uma história sobreviver.

A seguir, revisitamos os dez primeiros lugares, observando o que cada roteiro carrega de invenção, risco e impacto, e por que ele permanece um marco.

Lista dos 10 Melhores Roteiros

Casablanca (1942) – roteiro de Julius J. Epstein, Philip G. Epstein & Howard Koch

Baseado na peça Everybody Comes to Rick’s, de Murray Burnett e Joan Alison, o roteiro de Casablanca surgiu em meio à Segunda Guerra, com reescritas durante a produção e um clima de caos criativo que já virou lenda. Os irmãos Epstein, junto com Howard Koch, transformaram um melodrama de guerra em um clássico absoluto, misturando romance, intriga política e humor cínico na medida exata.

O que torna esse roteiro tão reverenciado é a combinação de diálogos memoráveis (“Here’s looking at you, kid…”) com uma estrutura emocionalmente precisa: Rick e Ilsa não são apenas um casal impossível; eles encarnam o conflito entre desejo pessoal e responsabilidade histórica. A trama parece simples, mas cada cena empurra os personagens para decisões cada vez mais difíceis. É praticamente a Bíblia do “como fazer um final agridoce perfeito”.

Casablanca
Casablanca

The Godfather (1972) – roteiro de Mario Puzo & Francis Ford Coppola

Adaptado do romance best-seller de Mario Puzo, o roteiro de O Poderoso Chefão condensa um calhamaço de trama, subtramas e fofocas mafiosas em um épico íntimo sobre família, poder e lealdade. Puzo e Coppola reescrevem a máfia como uma dinastia trágica, em que o crime organizado se mistura à ideia de “negócios de família” e códigos de honra.

A força do texto está no arco de Michael Corleone, que começa como o “filho bom” e termina como o sucessor implacável do pai. Tudo acontece passo a passo, sem rupturas forçadas: as cenas de reunião familiar, as negociações, os assassinatos em paralelo ao batismo. É um roteiro que mostra como estrutura e tema podem andar juntos: cada decisão narrativa reforça a pergunta central sobre o preço do poder.

The Godfather
The Godfather

Chinatown (1974) – roteiro de Robert Towne

Noir ao sol, Chinatown é o tipo de roteiro que todo mundo chama de “perfeito” sem muita discussão. Robert Towne cria uma investigação que começa com um caso de adultério e se desdobra em corrupção, crime ambiental, incesto, abuso de poder e uma cidade inteira construída sobre segredos.

O texto é um manual de estrutura investigativa: cada pista falsa é interessante, cada diálogo revela mais do que diz, e o final é devastador sem ser gratuito. A frase “Forget it, Jake, it’s Chinatown” funciona como diagnóstico de um mundo onde a justiça nunca chega realmente. É um roteiro que não tem medo do pessimismo e, justamente por isso, continua atual.

Chinatown
Chinatown

Citizen Kane (1941) – roteiro de Herman J. Mankiewicz & Orson Welles

Citizen Kane é o momento em que o cinema olha para si mesmo e pergunta: “e se a gente bagunçasse tudo?”. Mankiewicz e Welles desenham a biografia de Charles Foster Kane em fragmentos, depoimentos e lembranças contraditórias, criando um quebra-cabeça narrativo onde “Rosebud” é menos resposta e mais provocação.

O roteiro é revolucionário na forma como brinca com tempo, ponto de vista e confiabilidade do narrador. Não existe uma “verdade” única sobre Kane, apenas pedaços vistos por pessoas diferentes. Esse desenho formal abriu espaço para narrativas não lineares, protagonistas ambíguos e estruturas que exigem do público um papel ativo. Até hoje, é a referência óbvia para qualquer filme que tenta contar uma vida inteira como mito e autópsia ao mesmo tempo.

Citizen Kane
Citizen Kane

All About Eve (1950) – roteiro de Joseph L. Mankiewicz

Escrito e dirigido por Joseph L. Mankiewicz, All About Eve parte da história “The Wisdom of Eve”, de Mary Orr, para fazer uma dissecação brilhante do teatro, da fama e do envelhecimento para mulheres no showbiz. Margo Channing (Bette Davis), diva madura de Broadway, vê sua vida invadida por Eve Harrington, fã aparentemente inofensiva que articula uma ascensão implacável.

O roteiro é um desfile de diálogos afiados e comentários sobre ambição, masculinidade decorativa e rivalidade feminina criada pela indústria. Ele equilibra espetáculo e crueldade com uma precisão quase cirúrgica. É um texto que mostra como se faz drama de personagens em alta voltagem, com conflitos que são tão profissionais quanto íntimos. A maldade mais memorável aqui não é gritada; é dita com um sorriso e uma taça na mão.

All About Eve
All About Eve

Annie Hall (1977) – roteiro de Woody Allen & Marshall Brickman

A estrutura de Annie Hall parece casual, mas é controladíssima. Allen e Brickman usam flashbacks, quebras de quarta parede, inserts fantasiosos e uma narrativa em primeira pessoa para dissecar o fim de um relacionamento amoroso. Alvy Singer tenta entender por que a história com Annie não deu certo, e o roteiro encena essa tentativa de autópsia afetiva em forma de colagem.

O texto é referência em comédia romântica autoral: neurose, humor, intelecto e fragilidade convivem no mesmo espaço. Cada situação cotidiana vira um campo de batalha emocional, mas sem perder o charme. O roteiro mostra que uma história de amor pode ser sincera, engraçada e amarga, tudo junto, sem precisar de finais conciliatórios. E, de quebra, redefiniu o padrão de “casal esquisito, porém icônico”.

Annie Hall
Annie Hall

Sunset Blvd. (1950) – roteiro de Charles Brackett, Billy Wilder & D. M. Marshman Jr.

Em Sunset Blvd., Brackett, Wilder e Marshman Jr. escrevem um conto gótico sobre Hollywood contada pelo ponto de vista… de um roteirista morto. Joe Gillis, narrador defunto e cínico, nos guia pela mansão decadente de Norma Desmond, estrela do cinema mudo que se recusa a admitir que seu tempo acabou.

O roteiro é um estudo feroz sobre fama, indústria e obsolescência. A escolha de abrir o filme com o corpo do protagonista boiando na piscina já anuncia o tom ácido. A mistura de noir, humor sombrio e melodrama cria uma textura única: é um filme sobre cinema que não poupa o próprio sistema. A escrita equilibra ironia e compaixão por personagens presos em uma máquina que só sabe moer gente e seguir em frente.

Sunset Blvd.
Sunset Blvd.

Network (1976) – roteiro de Paddy Chayefsky

Escrito por Paddy Chayefsky, Network é, basicamente, um surto profético em forma de roteiro. A história acompanha Howard Beale, âncora de telejornal em crise que, em vez de ser afastado, é transformado em produto: seu colapso vira espetáculo televisivo, audiência e lucro.

O texto é um exemplo explosivo de sátira política e midiática. Os discursos de Beale (“I’m mad as hell…”) são furiosos, teatrais e assustadoramente atuais, antecipando a lógica da TV do choque e da indignação monetizada. Chayefsky escreve diálogos quase operísticos, cheios de monólogos e confrontos verbais que soam exagerados… até a gente ligar a televisão hoje e perceber que ele estava descrevendo o futuro.

Network
Network

Some Like It Hot (1959) – roteiro de Billy Wilder & I. A. L. Diamond

Aqui, Wilder e I. A. L. Diamond pegam uma história de gângsteres e travestimento (adaptada de um filme francês dos anos 1930) e transformam em uma das comédias mais celebradas de todos os tempos. Dois músicos testemunham um crime e, para fugir da máfia, se infiltram em uma banda feminina, “disfarçados” de mulheres, ao lado de uma Marilyn Monroe em modo máximo carisma.

O roteiro é uma aula de timing cômico e construção de situação. Cada mentira gera outra, cada disfarce produz um novo problema, e as camadas de desejo, atração e identidade se acumulam até o famoso “Nobody’s perfect” do final. A escrita é esperta o suficiente para brincar com gênero, desejo e performatividade sem perder a leveza, algo que mantém o filme relevante mesmo décadas depois.

Some Like It Hot
Some Like It Hot

The Godfather Part II (1974) – roteiro de Francis Ford Coppola & Mario Puzo

Em O Poderoso Chefão – Parte II, Coppola e Puzo fazem um movimento raro: uma continuação que funciona ao mesmo tempo como prequel e sequência. Enquanto seguimos Michael Corleone, já consolidado como Don, a narrativa volta ao passado para acompanhar a juventude de Vito, sua imigração e ascensão no submundo.

A escrita cria um espelho doloroso: o pai constrói a família; o filho a destrói. A montagem paralela dessas duas trajetórias faz o roteiro operar quase como romance histórico e, ao mesmo tempo, estudo psicológico. O filme expande o universo do original sem repeti-lo, aprofunda temas de poder, culpa e identidade e ainda inaugura o modelo “Parte II” que dominaria Hollywood nas décadas seguintes (para a alegria dos estúdios e o arrependimento posterior do próprio Coppola).

The Godfather Part II
The Godfather Part II

Conclusões

A lista da WGA de 2006 funciona quase como aquelas coletâneas antigas que a gente encontra na casa de alguém: tem escolha discutível, tem clássico absoluto, tem filme que marcou época… e tem aqueles que hoje a gente reassiste com outras lentes. É justamente isso que a torna tão interessante: ela revela o que era considerado essencial quase vinte anos atrás, e mostra como nossa relação com essas histórias muda com o tempo.

Entre amores impossíveis, corrupção institucional, Hollywood devorando seus próprios filhos, máfias familiares e sátiras ferozes sobre mídia, esses dez roteiros continuam valendo a visita porque ajudaram a moldar boa parte do cinema (e da cultura pop) que consumimos até hoje. Não porque são intocáveis, mas porque deixaram marcas profundas: diálogos que ficaram, cenas que viraram referência, personagens que, gostando ou não, entraram para o imaginário coletivo.

No fim, essa lista não dita o que você “precisa” amar. Ela só lembra uma coisa simples:

boas histórias continuam provocando conversa. Às vezes encantam, às vezes incomodam. E é exatamente isso que faz o cinema seguir vivo.