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Review de O Preço de Uma Confissão: Quando a Falta de Lágrimas Condena

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O luto discreto, diante de um homicídio, desperta a desconfiança sobre a culpa de uma esposa, e se torna o cerne dramático dessa série.

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revisado por Tabata Marques

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A História de O Preço da Confissão

O Preço da Confissão, série sul-coreana, foi lançada em 2025 pela Netflix. Criada por Lee Jung-hyo e Kwon Jong-kwan, o elenco principal conta com Jeon Do-yeon como An Yun-su, Kim Go-eun como Mo Eun, Park Hae-soo como Baek Dong-hoon e Jin Seon-kyu como Jang Jeong Gu.

A trama parte do assassinato de Lee Ki-dae e da detenção de An Yun-su, sua esposa, como principal suspeita. Em meio à pressão pública e policial, a investigação segue de modo agressivo, até que An Yun-su é presa e, dentro da cadeia, ela conhece a apática assassina Mo Eun, que se oferece para assumir a culpa pelo assassinato, contanto que An Yun-su mate alguém. Empurrando, assim, a protagonista para um dilema complexo.

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Esse pacto faz com que o expectador se pergunte: “o que eu faria para sobreviver quando o sistema já me condenou antes e depois de julgado?”.

A crítica elogiou a aliança entre as duas mulheres como centro dramático do suspense, usando essa relação como efeito narrativo no lugar de reviravoltas genéricas. Uma resenha destacou esse detalhe, dizendo que a obra se sustenta na tensão e na dúvida sobre An Yun-su ser ou não culpada, e sobre o passado da sombria Mo Eun, assim como também coloca em xeque a ideia de justiça falha e investigação enviesada.

Mas alguns podem sentir que, da segunda metade para o final, a série pode perder um pouco de impacto, e alguns arcos podem parecer desnecessários.

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Culpada Pelo Silêncio

O principal motivo que leva o promotor a considerar, logo de cara, a esposa como culpada é pelo seu comportamento atípico. E por que isso acontece?

Quando pensamos em luto, a imagem que vem à cabeça é quase sempre alguém chorando, abatido, deprimido. Mas a psicologia e as pesquisas sobre o processo de luto mostram que existem muito mais reações além dessas.

Diversas pessoas que estão enlutadas podem não aparentar tristeza do lado de fora, mesmo sentindo dor intensa por dentro, e isso tem explicações reconhecidas pela ciência e por profissionais da saúde mental.

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Esse tipo de resposta menos óbvia é o chamado luto mascarado (ou masked grief), que descreve situações em que a pessoa não demonstra os sinais tradicionais de tristeza ou choro, mas ainda assim está sofrendo a perda internamente. Em vez de lágrimas ou lembranças sobre o ente querido falecido, o sofrimento pode surgir por meio de irritabilidade, esquiva ao falar sobre o assunto, somatizações (como dores de cabeça, cansaço crônico, insônia ou outros sintomas físicos) ou até mudanças súbitas de humor que parecem não estar relacionadas com a perda.

Esse tipo de luto também pode ser descrito pelos profissionais como parte do luto inibido ou luto inconsciente, que são formas em que a expressão de tristeza fica reprimida. Nesses casos, a pessoa parece indiferente, ou se ocupa constantemente em excesso apenas para “não pensar no que aconteceu”, evitando enfrentar as emoções profundas. Mas o sofrimento está lá, apenas não aparece de maneira direta, ou da forma como a sociedade espera.

Além disso, fatores sociais e culturais influenciam fortemente esse modo de reagir. Em algumas culturas ou contextos sociais, demonstrar emoção intensa pode ser desencorajado, interpretado como “fraqueza”. Quando o ambiente não reconhece ou não apoia a pessoa que perdeu alguém, isso pode levar a um luto mais contido, silencioso, onde o enlutado acaba guardando seus sentimentos para si, mesmo que internamente esteja profundamente afetado.

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Esse luto que não se manifesta abertamente não significa insensibilidade; pelo contrário, muitas vezes ele pode se transformar, ao longo do tempo, em sofrimento constante ou em adoecimento emocional, justamente porque as emoções associadas à perda não são processadas nem expressas. Ou seja, existe um luto em que a pessoa não demonstra tristeza de forma explícita; no entanto, isso não quer dizer que ela “não está sofrendo”.

O luto pode ser silencioso, rígido emocionalmente ou se mostrar em sintomas físicos e comportamentais que não parecem tristeza à primeira vista, mas que, no fundo, expressam o abalo da perda de um modo mais sutil.

E é justamente esse fator que cria a culpa sobre os ombros de An Yun-su. Ela perdeu o esposo, ela está calma no depoimento, ela não tem testemunhas sobre o momento em que encontrou o homem agonizando. Ela continua trabalhando e cuidando da filha como se não sentisse profundamente a perda do companheiro. E isso, para a sociedade, para a polícia e para o promotor, faz dela imediatamente uma homicida.

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É justamente nesse contexto que a protagonista é tentada pela possibilidade de ser livre, para, quem sabe, descobrir o verdadeiro assassino de seu esposo e limpar seu nome.

A série nos faz questionar se existe um jeito certo de se sofrer uma perda, se o fato de ninguém acreditar em você não pode torná-lo social e emocionalmente culpado. Nos faz perguntar se não faríamos o mesmo tipo de acordo, se, em meio ao desespero de recuperar sua vida, não aceitaríamos tirar a de outro no lugar. Principalmente quando esse outro carrega um crime nas costas, crime esse que não pagou, justamente por culpa das brechas jurídicas onde os afortunados podem comprar a liberdade.

Uma clara ironia, onde o inocente é preso, e o culpado segue a vida como se não tivesse destruído outras.

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Provocação

A narrativa não demora muito para nos empurrar para o cerne do enredo; além disso, ainda nos faz duvidar da esposa logo de início, porém, já nos primeiros capítulos, deixa claro que An Yun-su é inocente.

Esse detalhe, de nos fazer desconfiar da protagonista, é também uma provocação a cada um de nós, por nos levar a acreditar que a falta de lágrimas da mulher e as pistas circunstanciais a tornam culpada.

Em contrapartida, existe um outro luto na série, luto esse que desencadeia uma sucessão de vingança e mostra até onde a dor da perda pode nos levar. Um luto é discreto demais, o outro, atormentador. Um grande acerto aqui.

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E outra provocação vem sobre uma questão ética: alguém que cometeu um crime e foi inocentado pela justiça, apesar de seu crime ter feito duas vítimas fatais e condenado outra a viver em um abismo emocional, merece ser morto?

Será que, ao pensarmos na condenação cometida contra Yun-su, nós queremos ver a justiça ser feita, mas, comparando com o segundo caso, acreditamos que, em algumas ocasiões, a única justiça que pode ser feita é aquela com as próprias mãos?

Fica a pergunta, porque, honestamente, não acredito que exista uma resposta fácil.

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Vale a Pena assistir O Preço da Confissão?

Se você gosta de histórias que te fazem questionar a sociedade, te fazem torcer pela protagonista e tentar descobrir quem é o verdadeiro criminoso, vai gostar de O Preço de Uma Confissão.

Porém, se não tem paciência para séries que se desenvolvem devagar e não têm sequências de ação absurdas, talvez se entedie com a obra.

Mas agora me diz aí: se fosse você no lugar da esposa, aceitaria o acordo com Mo Eun, deixando que outra pessoa carregasse a culpa em troca da sua liberdade, ou tentaria resistir, confiar no sistema e buscar outros caminhos, mesmo sabendo que o tempo, a opinião pública e a polícia não estão favoráveis a você?

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