Sobre a Série de Até o Último Samurai
Chegando discretamente, sem chamar muita atenção, a ponto de, se você não procurar ou prestar atenção, vai passar despercebido, está na Netflix a série japonesa Até o Último Samurai!
Criada como uma série de ação e drama histórico, dirigida e co-escrita por Michihito Fujii, temos Junichi Okada no papel de Shujiro Saga, um samurai outrora invencível que agora sobrevive num mundo que aboliu oficialmente os guerreiros que antes eram sua elite.

A narrativa se passa em 1878, após a queda dos samurais e no início do regime Meiji, período em que o Japão se modernizou de forma violenta, deixando muitos dos seus outrora admirados guerreiros sem lugar, sem honra e sem futuro.
O enredo se centra num jogo mortal de sobrevivência: 292 samurais excluídos, desonrados ou empobrecidos são atraídos ao Templo Tenryūji, em Kyoto, com a promessa de um prêmio de 100 bilhões de ienes para aquele que sobreviver até Tóquio. Cada guerreiro carrega uma etiqueta de madeira que pode ser arrancada por um rival numa luta até a morte, transformando todo o percurso até Tóquio (outrora Edo) em uma batalha brutal e implacável de espadas, estratégia e violência física e emocional.

Apesar de não se basear diretamente em fatos históricos, a ambientação, o pano de fundo político, o torneio Kodoku e os personagens são criações inspiradas no livro de Imamura e no mangá derivado.
O público está respondendo bem à série. No Rotten Tomatoes, por exemplo, a primeira temporada alcançou 100% de aprovação, mostrando que a produção foi recebida com entusiasmo pelos críticos. Destacam-se especialmente a qualidade técnica, as cenas de combate, a construção do mundo e os conflitos emocionais dos personagens.

Transformação
Uma das coisas mais interessantes da série é misturar ficção com fatos históricos, como o fim da era dos samurais, que ocorreu durante o final do século XIX, quando o país atravessou um período de transição intensa, conhecido como a Restauração Meiji (entre 1868 e 1912), uma ruptura e modernização que desafiou as antigas tradições do Japão.
Com esse movimento iniciou-se a queda do xogunato Tokugawa, que governava há mais de 250 anos, e a restauração do poder imperial. Essa transição foi marcada pela tentativa de fazer do Japão uma nação moderna, competitiva com as potências ocidentais emergentes, como os Estados Unidos e as nações europeias.

O impacto desse processo na classe samurai, que detinha grande poder e prestígio no Japão feudal, foi profundo. Os samurais, seguidores do código de honra bushido (o caminho do guerreiro), desempenhavam um papel central na sociedade japonesa, tanto militar quanto politicamente. Eles defendiam os senhores feudais e, ao longo dos séculos, se tornaram a elite social. No entanto, com a modernização do país e a introdução de novas instituições e forças armadas ocidentais, o papel dos samurais foi sendo cada vez mais questionado até sua extinção.

A principal razão para a queda da classe samurai foi a centralização do poder nas mãos do imperador Meiji. O novo governo precisava de um exército regular mais eficiente, em vez de depender dos samurais, que ainda utilizavam métodos de combate tradicionais e uma organização feudalista. Além disso, o governo aboliu os han (domínios feudais), substituindo-os por províncias administradas pelo império. Isso enfraqueceu o poder dos senhores feudais e, consequentemente, a importância dos samurais.
Tal abolição culminou na introdução de reformas militares, como a criação de um exército nacional baseado em recrutas comuns, em 1873. Para simbolizar essa mudança, os samurais perderam o direito exclusivo de portar espadas, um dos maiores símbolos de sua honra e status. Muitos samurais, sem o apoio de seus antigos mestres e sem conseguir se adaptar à nova ordem social, foram levados à pobreza ou forçados a buscar novos meios de sustento, como mercadores ou burocratas.

Como era de se esperar, essa transição não ocorreu de forma pacífica. Houve resistência por parte dos samurais à modernização, culminando na Revolta Satsuma, em 1877, liderada por Saigō Takamori, um dos samurais mais respeitados do período. Saigō e outros samurais descontentes se rebelaram contra o governo, mas a revolta foi brutalmente esmagada. A morte de Saigō simbolizou o fim da resistência samurai à modernização e o colapso definitivo do sistema feudal japonês.
Assim sendo, o fim dos samurais não foi apenas uma mudança social e militar, mas também uma transformação na identidade do Japão. Enquanto o país se tornava uma potência moderna e imperialista, a classe samurai desaparecia como um símbolo do passado, dando lugar a uma sociedade mais ocidentalizada, mas também marcada pela perda de diversas tradições valorizadas.

Empolgante
É nesse contexto que Até o Último Samurai nos mostra a degradação dos outrora respeitados samurais, que passaram a enfrentar necessidades básicas, como comprar remédios durante um surto de cólera. Esse contexto lança o protagonista no desafio mortal.
Com o tempo, somos apresentados a outros competidores, nem todos necessariamente ex-samurais. Um exemplo é Futaba Katsuski, uma adolescente que ingressa no torneio sem técnicas de combate, mas com a esperança de usar o prêmio para salvar as pessoas ao redor, incluindo sua mãe, da cólera. Por ter um pensamento voltado para salvar vidas, e não tirá-las, Futaba logo se torna o coração do grupo formado junto a Shujiro.

Embora tenha poucos capítulos, a série consegue apresentar bem cada personagem e suas motivações, o que nos prende ainda mais à história. Isso nos faz torcer por eles enquanto acompanhamos suas jornadas e destinos.
Aliás, há um personagem incrível que eu esperava ver por vários episódios. Contudo, com certa quebra de expectativa, a série me mostrou que não devo me apegar muito a ninguém.

Mas é bom avisar que, por enquanto, Até o Último Samurai possui apenas a primeira temporada, com 8 episódios. A segunda temporada ainda não foi confirmada pela Netflix, que deve basear a decisão na audiência da série. Resta torcer para que o streaming continue a produção, explorando ainda mais o torneio, a viagem até Edo e a relação entre os personagens.
As sequências de combate chamam muita atenção, especialmente uma luta no episódio final da temporada, cuja coreografia é impressionante e visualmente belíssima. Confesso que temi pelo protagonista, já que o oponente dele havia derrotado um grande guerreiro no caminho até Tóquio.

Vale a pena assistir Até o Último Samurai?
Vale, sim! Se você gosta desse tipo de produção, com certeza vai querer maratonar a série.
Até o Último Samurai não é apenas uma série de batalhas com espadas; é uma reflexão sobre existir em um tempo que rejeita aquilo que um dia te deu sentido.

Ser descartado pelas pessoas e por uma sociedade que outrora protegia. Ver-se destituído de toda a sua identidade e glória enquanto uma nova era se apresenta.
Qualquer fã de histórias de ação com personagens carregados de feridas emocionais e sociais vai se encantar com essa série.
E então, ficou empolgado para assistir? Se sim, faça isso e ajude a provar que histórias assim merecem continuar. Quem sabe essa não seja a lâmina que abre caminho para uma segunda temporada?













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