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Review de Bon Appétit, Your Majesty - Da Mesa Ao Coração

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Lançado por uma Coreia que sobreviveu à fome e que transformou a comida em afeto, esse um k-drama reimagina um tirano e serve ao público um romance sobre amor e redenção.

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revisado por Tabata Marques

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Enredo de Bon Appétit, Your Majesty

Com direção de Jang Tae-yoo, a história de Bon Appétit, Your Majesty foi baseada na web-novel intitulada Surviving as Yeonsangun’s Chef de Park Kook-jae, que por sua vez se inspirou na figura histórica de Yeonsangun (Yi Yung) da dinastia Joseon. O elenco conta com Lim Yoon-a como a chef Yeon Ji-yeong e Lee Chae-min como Rei Yi Heon.

A história começa no presente, quando Ji-yeong, uma chef de culinária francesa, acaba “viajando no tempo” para a era da dinastia Joseon, em meio a um eclipse solar e, nesse passado, ela se vê na corte do Rei Yi Heon, um rei que possui um paladar refinado, embora seja um tirano terrível. A partir daí, a sobrevivência de Ji-yeong depende de impressioná-lo com suas habilidades culinárias.

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Enquanto isso, enfrenta intrigas palacianas, conspirações, disputa de poder. Uma parte bem criativa da trama é como ela explora a dificuldade de Ji-yeong em adaptar técnicas modernas a ingredientes antigos, aliar inovação à tradição e sobreviver em ambiente hostil.

Resumindo: a série mistura num caldeirão humor, romance e pitadas generosas de tensão política.

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As críticas foram mistas, como elogios pela estética da série, pela originalidade do enredo e pela química dos atores, mas há ressalvas quanto à profundidade e fidelidade histórica. Alguns fãs ainda reclamaram que o final foi apressado e que algumas tramas ficaram com pontas soltas.

Ou seja: o consenso é de que é uma produção divertida, bem executada tecnicamente, mas que não se aprofunda em história real ou original. No geral, a série atingiu picos de audiência acima de 11% na tvN e liderou o Top 10 da Netflix em vários países da Ásia.

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Da Fome ao Afeto

Antes de se tornar potência tecnológica e vitrine de cultura pop, a Coreia do Sul conheceu a fome, não como metáfora, mas como uma devastadora realidade.

Durante boa parte do século XX, o país enfrentou períodos de escassez alimentar severa. Após a libertação do domínio japonês em 1945, a península coreana ficou destruída e dividida. Poucos anos depois, a Guerra da Coreia (1950–1953) piorou a situação quando plantações foram destruídas, famílias deslocadas e a produção agrícola praticamente parou.

Estudos da Columbia University e da ScienceDirect relatam que, durante o conflito, a população sofreu com altos índices de desnutrição, especialmente entre gestantes e crianças. O país, que antes era exportador agrícola, passou a depender de ajuda internacional.

Muitas famílias sobreviviam com cevada, milho ou batata, misturados ao arroz para fazer render o pouco que havia. Era comum preparar sopas ralas, reaproveitar restos e reduzir o número de refeições diárias. Comer, naquele contexto, era sobreviver.

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A partir da década de 1960, com a ajuda externa e as políticas de reconstrução, a Coreia do Sul iniciou um processo de modernização econômica que ficou conhecido como o “Milagre do Rio Han”. O país passou a receber grandes quantidades de trigo e leite em pó, principalmente dos Estados Unidos, o que alterou seus hábitos alimentares e ajudou a aliviar a fome, embora também tenha modificado a dieta tradicional baseada no arroz.

Com o passar dos anos, e especialmente após a estabilização econômica, a alimentação no país ganhou um significado social e cultural que vai além da nutrição.

Pesquisas recentes sobre a cultura alimentar coreana destacam que compartilhar comida é um comportamento central na vida social coreana, visto em contextos familiares, profissionais e até cerimoniais. Preparar, oferecer e comer juntos fazem parte da construção das relações sociais.

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Embora não exista uma prova direta de que o hábito de compartilhar comida tenha nascido especificamente do período de fome, o contexto histórico da escassez pós-guerra provavelmente reforçou a importância simbólica do alimento. O ato de oferecer algo para comer pode ser, até hoje, uma forma de demonstrar atenção, respeito e cuidado.

Por exemplo, na língua coreana, expressões relacionadas à comida aparecem com frequência em situações cotidianas. Perguntar “Já comeu?” (bap meogeosseoyo?) é uma saudação comum, que pode carregar o mesmo significado emocional de um “como você está?”.

Para muitos coreanos, convidar alguém para comer, insistir que repita o prato ou preparar algo quente são gestos de hospitalidade e afeição. A comida, nesse caso, se torna uma maneira de expressar solidariedade, de cuidar do outro e de reforçar laços.

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Ainda que o país tenha superado a escassez, a memória coletiva da fome pode ter deixado marcas sutis na forma como os coreanos se relacionam com o alimento e entre si. Logo, oferecer comida, dividir a mesa, preparar um prato favorito, tudo isso, na cultura coreana de hoje, pode ser compreendido como um modo de dizer “eu me importo”.

É dessa herança simbólica que nasce Bon Appétit, Your Majesty, refletindo esse elo entre a fome e o afeto. Ao colocar uma chef de cozinha diante de um rei do passado, a série transforma o ato de cozinhar em ponte entre eras: do poder absoluto à vulnerabilidade humana. Assim como o povo que um dia sobreviveu dividindo grãos de cevada, o drama convida o espectador a pensar na comida como gesto de amor e empatia.

Entre o Trono e a Cozinha

Um dos pontos que mais me deixou curiosa na série foi sobre o rei Yi Heon. Então fui pesquisar e descobri que, embora seja personagem fictício, aparentemente sua criação foi inspirada no monarca real Yeonsangun de Joseon (1476–1506), décimo rei da dinastia Joseon, lembrado pelos coreanos como um dos governantes mais cruéis e instáveis de sua história.

Na realidade, Yeonsangun assumiu o trono em 1494 e rapidamente mergulhou o país em um regime de terror. Ordenou que se livrassem de eruditos, executando intelectuais que o criticavam, fechou a universidade Sungkyunkwan e transformou o palácio em um cenário de festas e excessos.

Registros históricos mencionam também os terríveis sequestros de mulheres para o harém real, caçadas que deslocavam milhares de camponeses e banquetes extravagantes que contrastavam com a fome do povo. Deposto em 1506 por uma revolta palaciana, ele terminou exilado e morreu pouco depois, sem receber nome póstumo, detalhe de desonra entre os reis coreanos.

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A série, no entanto, suaviza drasticamente a imagem de Yi Heon e, apesar de manter nele traços do tirano histórico, autoridade severa, arrogância e impulsividade, dá ao homem mais profundidade emocional e um arco de redenção.

É um rei atormentado, isolado pelo poder, que reencontra humanidade através da comida e do afeto. Sua relação com Ji-yeong é o oposto da brutalidade de Yeonsangun, é uma curva do aprendizado de empatia. Assim, o k-drama não busca reproduzir a história, mas reinterpretar a imagem do tirano, transformando-o em alguém capaz de amar.

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Servido Cru

Como uma crítica pessoal, aponto que realmente o final da série, principalmente o último capítulo, poderia ser mais bem explorado ou explicado.

O encontro entre o casal protagonista acontece de uma maneira mágica, é verdade, mas ainda assim é necessário haver alguma lógica estabelecida pelo próprio enredo para que o público não se sinta frustrado. Quando a lógica estabelecida é sumariamente ignorada, a sensação é de que o final foi apressado e malfeito.

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Havia outros modos de criar esse reencontro. Realmente não é muito fácil entender por que optaram por não explicar, em pelo menos duas frases, como a terceira viagem no tempo aconteceu, sem caderno de receitas e sem eclipse.

Nesse quesito, realmente hei de concordar com os fãs que apontaram essa falha da trama.

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Vale a Pipoca?

Vale sim, porque acima de tudo é um romance divertido e emocional para quem gosta do gênero.

Bon Appétit, Your Majesty é, também, muito bem-produzido tecnicamente, tem um enredo diferenciado, mistura passado e presente com a leveza de uma comédia romântica e o sempre agradável visual de superprodução histórica.

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Claro que o k-drama talvez não ensine história, mas ele transforma a história em metáfora: a tirania que se redime pela sensibilidade, a comida como elo entre dois mundos de contrastes, o afeto servido à mesa como um ato de amor.

E aí, após conhecer o peso histórico que a comida carrega na Coreia, você ficou com vontade de provar esse banquete de história e fantasia?

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