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Análise de Boots, da Netflix: o preconceito e a homofobia

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Analisamos a série Boots da Netflix, inspirada no livro de memórias do escritor Greg Cope White, ex-fuzileiro naval. A série nos leva a refletir sobre o preconceito e homofobia dentro das forças armadas.

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Sobre Boots da Netflix

Boots é uma série de comédia dramática militar norte-americana lançada pela Netflix em outubro de 2025. Alcançou o top 10 desde a sua estreia e se mantém como umas das séries mais assistidas do segundo semestre deste ano.

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A produção tem vários diretores, incluindo Phil Abraham, Kyle Patrick Alvarez, Silas Howard, Tanya Hamilton e Peter Hoar. A série foi criada por Andy Parker e é inspirada no livro de memórias The Pink Marine de Greg Cope White, ex-fuzileiro naval, que também liderou a sala de roteiristas.

O elenco principal é composto por Miles Heizer (Cameron Cope), Liam Oh (Ray McCaffey), Max Parker (Sargento Sullivan) e Vera Farmiga (Barbara Cope).

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A trama se passa no verão de 1990 e acompanha Cameron Cope, um adolescente gay que sofre bullying e decide impulsivamente se alistar no Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA, juntamente com seu melhor amigo hétero, Ray McCaffey.

A série foca no intenso treinamento militar e na jornada de autodescoberta de Cameron, que precisa esconder sua verdadeira identidade em um ambiente rígido e preconceituoso, marcado pelas políticas discriminatórias contra a homossexualidade nas Forças Armadas da época, período anterior à revogação do Don't Ask, Don't Tell (Não conte, não pergunte).

A História Real por Trás de Boots: O Livro "The Pink Marine"

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O livro "The Pink Marine: One Boy's Journey Through Boot Camp to Manhood", lançado em 2015, é a história real de Greg Cope White, que inspirou a série. É um relato de como um garoto inseguro de Nova Orleans se transformou em um Fuzileiro Naval.

A série mudou o nome do protagonista para Cameron Cope e atualizou o período para 1990, pouco antes da política Don't Ask, Don't Tell, mas mantém o coração da história de Greg.

A história começa quando Greg decide, de repente, entrar para o rigoroso treinamento militar em Parris Island. Ele fez isso para seguir seu melhor amigo, Ray. Greg era magro, fora de forma e, o mais importante, ele era gay, o que era proibido no serviço militar na época. Ele serviu entre 1979 e 1985.

Greg Cope White
Greg Cope White

Durante o treinamento intenso e difícil, Greg aprendeu que o ambiente militar, apesar de ser desumano, tem o poder de igualar as pessoas. O processo arranca as identidades antigas dos recrutas e os força ao limite. No entanto, isso mostra que todos, no fundo, têm suas próprias lutas e inseguranças.

Anos depois, como roteirista e produtor de TV, Greg transformou essa vivência em livro. Sua intenção era clara: dar uma mensagem de força e esperança a jovens que sofrem com bullying e preconceito. Na adaptação para a Netflix, ele participou como escritor e produtor executivo, garantindo que a série fosse fiel à sua emocionante experiência.

Sobre a política do Don't Ask, Don't Tell

A política DADT foi uma legislação federal implementada pelo governo do Presidente Bill Clinton em 1994, após um intenso debate sobre a proibição total de pessoas abertamente gays no serviço militar.

O presidente Bill Clinton, em julho de 1993, falando sobre a nova política a respeito de homossexuais nas forças armadas.
O presidente Bill Clinton, em julho de 1993, falando sobre a nova política a respeito de homossexuais nas forças armadas.

Antes da DADT, a política militar proibia completamente pessoas homossexuais de servirem em qualquer capacidade. O alistamento de Bill Clinton em 1993, com a promessa de acabar com essa proibição, encontrou forte resistência de líderes militares e do Congresso. A DADT foi um compromisso que substituiu a proibição total por uma política de discrição obrigatória.

O objetivo era manter a proibição da homossexualidade nas Forças Armadas, ao mesmo tempo que dificultava a "caça às bruxas" contra militares. A política resultou na expulsão de cerca de 13.500 militares competentes (soldados, marinheiros e fuzileiros navais) unicamente por sua sexualidade, forçando muitos outros a viverem em segredo.

O presidente Barack Obama, em dezembro de 2010, assinando a revogação do Don't Ask, Don't Tell.
O presidente Barack Obama, em dezembro de 2010, assinando a revogação do Don't Ask, Don't Tell.

A política enfrentou oposição crescente ao longo dos anos, sendo considerada discriminatória e prejudicial à segurança nacional, pois resultava na perda de talentos e na criação de um ambiente de mentiras e medo.

O Presidente Barack Obama sancionou o projeto de lei que revogava a DADT em dezembro de 2010. A revogação não teve efeito imediato. A proibição foi oficialmente abolida em setembro de 2011, permitindo que gays, lésbicas e bissexuais servissem abertamente nas Forças Armadas dos EUA, pela primeira vez na história.

 Faixa em apoio ao fim da política "Don't Ask, Don't Tell" pendurada em postes antes do início de uma coletiva de imprensa em 20 de setembro de 2011, em São Francisco, Califórnia.
Faixa em apoio ao fim da política "Don't Ask, Don't Tell" pendurada em postes antes do início de uma coletiva de imprensa em 20 de setembro de 2011, em São Francisco, Califórnia.

Até onde vai o preconceito e a homofobia nas Forças Armadas?

O preconceito nas Forças Armadas, em muitos países, vai até onde a cultura institucional da virilidade e da invisibilidade permite. O ambiente militar é historicamente construído sob o ideal de virilidade masculina, que associa a força e a competência ao comportamento heteronormativo.

Tudo que foge a esse padrão, incluindo a homossexualidade e a identidade de gênero não-binária, é visto, muitas vezes, como uma fragilidade ou uma ameaça à coesão e à disciplina da tropa.

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Isso cria uma hierarquia da invisibilidade, onde militares LGBTQIAPN+ se sentem compelidos a ocultar sua identidade sexual e afetiva, conformar-se às regras e padrões culturais do quartel, negando publicamente quem são.

O preconceito não se limita à proibição formal, que tem sido progressivamente eliminada em muitos países. Ele se manifesta de outras formas:

Assédio e Discriminação: Piadas, insultos, violência verbal e, em casos mais graves, física.

Obstáculos na Carreira: Dificuldade em ascender na carreira, ser visto como inapto para certas funções ou ter a competência questionada devido à orientação sexual.

Marinheiros e fuzileiros navais reais do Reino Unido comemoraram 20 anos desde o fim da proibição de homens e mulheres LGBTQIAPN+ servirem nas forças armadas.
Marinheiros e fuzileiros navais reais do Reino Unido comemoraram 20 anos desde o fim da proibição de homens e mulheres LGBTQIAPN+ servirem nas forças armadas.

Perseguição Velada: Exigências e regras aplicadas de forma mais rigorosa a quem é ou é percebido como LGBTQIA+.

Legislação Controversa: Embora o Brasil tenha a Constituição de 1988 que proíbe a discriminação, a existência de termos como "pederastia" no Código Penal Militar (que em contextos históricos foi usado para perseguir homossexuais) ainda reflete uma cultura institucional a ser transformada.

O limite do preconceito é a resistência da própria instituição em se modernizar e reconhecer que a orientação sexual e a identidade de gênero são irrelevantes para a capacidade e a dignidade profissional de um militar.

Análise Pessoal

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Boots não é só mais uma história militar de superação física, e é isso que me cativou. O que a série faz é usar a rigidez do treinamento dos Fuzileiros Navais, ambientada nos anos 90, sob a sombra da política "Don't Ask, Don't Tell", como um palco incrivelmente potente para falar sobre amadurecimento queer e a busca por um lugar no mundo.

A série tem a sensibilidade e o humor exatos para abordar um tema que é tabu: a homossexualidade e outras formas de preconceito (racismo, xenofobia), dentro de um ambiente que exige uma uniformidade absoluta. É um soco no estômago, mas com humanidade.

Me senti constantemente tensa pelo protagonista. O alto risco de ter seu segredo exposto, de ser expulso ou sofrer retaliação, cria uma tensão dramática constante. Você se conecta imediatamente com o medo dele.

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A série mostra como se constroem laços de amizade e uma irmandade inesperada entre os recrutas. É um lembrete poderoso de que a aceitação pode vir de onde menos se espera, e que, no fundo, todos ali têm suas próprias vulnerabilidades e segredos.

Ao voltar para os anos 90, um período de intensa repressão, a série mostra o preço de viver escondido. O mais assustador é perceber que o eco desse preconceito ainda ressoa hoje, transformando Boots em um comentário poderoso sobre a persistência da homofobia.

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Com a ótima atuação de Miles Heizer e personagens que não caem em clichês, a série é mais do que apenas um tema específico: é uma história sobre ser corajoso, fazer amigos e a busca de todo mundo para ser aceito. No fim, ela mostra que a luta mais difícil é, na verdade, aceitar a si mesmo e resistir calado no dia a dia.

Recepção da crítica

A série recebeu uma recepção crítica majoritariamente positiva e tem sido um sucesso de audiência.

Rotten Tomatoes: 89% de aprovação dos críticos e 91% de aprovação do público.

IMDb: 7,9/10 de 13 mil avaliações.

Razões para assistir

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A série aborda vários temas, mostrando a dureza e o estresse do treinamento militar, mas usa isso como um jeito forte de mostrar como é doloroso e custoso ter que esconder quem você é de verdade.

Conseguindo misturar momentos dramáticos com um humor inteligente. Falando sobre o preconceito e a masculinidade exagerada e tóxica da época, prendendo a atenção e divertindo o público, tornando a crítica social mais fácil de entender e mais poderosa.

Se você procura uma série que seja divertida, emocionante, historicamente relevante e que provoque reflexão sobre o significado de coragem e identidade em um mundo que ainda exige conformidade, Boots é uma ótima escolha.

Até a próxima!