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Análise: Porque Odiamos Finais Abertos?

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Seja na composição de uma última cena sem sentido ou na ausência de uma explicação sobre algo, finais abertos historicamente acontecem em grandes obras e são sempre capazes de frustrar uma geração. Mas por que a ausência de respostas causa tanta repulsa no espectador?

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Todo mundo tem ou já teve aquela sensação de frustração ao terminar um filme. O pião gira em Inception, a tela escurece em The Sopranos, o origami de unicórnio em Blade Runner. A reação costuma ser aquela mesma: “Ué? E aí?”. O desconforto de sentir que algo está incompleto, a frustração da ausência e o controle mental para não atirar um eletrônico na parede. Um sentimento singular.

Ainda assim falamos muito sobre finais abertos, os fóruns de discussão, as rodas de conversa com amigos ou com aquele companheiro de cinefilia, é inegável que esse tipo de desfecho é pop. Diante dessa controvérsia e do desejo de mergulhar em algo autêntico, vamos refletir um pouco sobre o assunto?

Unicórnio de origami de Blade Runner
Unicórnio de origami de Blade Runner

O desconforto de não saber

O ser humano tem uma relação delicada com a incerteza. Desde pequenos nós ouvimos e contamos histórias e somos instruídos a acreditar numa ordem única e objetiva: Se uma história começou ela vai terminar. Isso é, toda história tem um início, um meio e um fim. Quando algo quebra uma ordem natural instruída desde a infância, a resposta é imediata: Um incômodo e uma urgência por respostas.

Finais abertos te convidam a permanecer na dúvida, e isso definitivamente não é fácil. Especialmente numa cultura de consumo rápido, que sempre te incentiva a consumir mais e mais, se deparar com a necessidade de refletir, um “não saber” intencional soa quase como um desrespeito. Mas talvez isso diga mais sobre nós do que sobre os filmes.

Cena final de The Sopranos
Cena final de The Sopranos

Finais abertos são preguiçosos?

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Existe um mito persistente que, sobretudo em obras mais longas, há medo em fechar um final e frustrar o público encerrando de uma maneira que alguma parte não goste. Isso reconhece o poder que os fãs têm sobre a série e por um bom tempo isso foi inegável.

Na era de ouro da TV, a popularidade e as discussões sobre um programa guiavam o destino dele. Hoje a realidade já não é tão mais prática assim, com o streaming chegando e dominando o mercado sobre óticas algorítmicas sigilosas, num modelo de negócios muito diferente das TVs.

Ainda assim, o argumento de evitar confrontar o público costuma cair por terra sabendo que finais abertos são muito mais reprovados por fandoms do que finais fechados que tomam caminhos desagradáveis.

Outro mito comum é que finais abertos são produtos de roteiristas preguiçosos ou incapazes de definir como sua história acabará. Contudo, o nível de complexidade da construção de uma narrativa que se encerra deixando pontas soltas, mas convidando a uma reflexão, exige um esforço imenso e uma dedicação gigante. São roteiros com mais tempo de desenvolvimento e que fazem apostas mais corajosas, pois confiam que o público pode lidar com a reflexão, com o não dito, ou até com o não visto.

Filmes como First Reformed ou The Lighthouse usam esse recurso não como fuga, mas como afirmação estética, deixando que a dúvida ecoe mais do que qualquer certeza possível.

Cena final de The Lighthouse
Cena final de The Lighthouse

A culpa da TV? Ou da Netflix?

Nossa impaciência com os finais abertos também pode ser lida como cultural. Crescemos vendo novelas e séries que amarram todos os casais principais, resolvem todos os crimes, salvam todos os pacientes, e ainda com direitos a epílogo de casamento na praia. Aprendemos que boas histórias têm fechamentos. Que mocinhos vencem, vilões são punidos e a música toca no fim junto aos créditos.

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Na atualidade, não tem sido tão diferente. O consumo por streaming cria um novo comportamento de incentivar a assistir mais e discutir menos. Perder tempo pensando te tira tempo que você poderia ver mais uma série nova. E tudo isso sobre a roupagem de uma ideia de controle: Você pode maratonar tudo, você pode entender tudo, ter tudo. E, se for necessário, veja um vídeo de final explicado no YouTube (esses não faltam).

Final de 2001: A Space Odyssey
Final de 2001: A Space Odyssey

Mas a vida continua?!

Talvez o que mais incomode nos finais abertos seja a lembrança de que a vida também é assim. Apesar de amarmos ciclos fechadinhos, raramente temos direito a uma conclusão objetiva e clara. Relacionamentos acabam com mensagens deixadas no vácuo. Mudanças importantes acontecem sem grande trilha sonora.

Na vida real, ninguém nos explica o sentido das coisas, e a maioria das histórias termina com mais perguntas do que respostas. Lidar com a realidade é lidar com a incerteza. É possível que frustração surja daí. O cinema sempre foi esse lugar de conforto onde sabíamos que, no fim, tudo daria certo.

Ainda sim, filmes que abraçam o caos do incerto, como Frances Ha ou Moonlight são mais honestos sobre o que é viver. Ainda que consequente a isso, um pouco mais dolorosos.

Cena de First Reformed
Cena de First Reformed

O final é nosso!

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Por mais que a gente reclame, o final aberto tem um charme difícil de negar. Ele fica com a gente depois que fechamos a TV ou as luzes se apagam. Ele se aloja no pensamento, nos acompanha dias depois, gera conversas, teorias, releituras. E mais do que isso: Ele nos transforma em coautores. O desfecho agora é nosso, feito das nossas memórias, expectativas, dores ou esperanças.

Talvez o problema não seja o final aberto. Talvez o que nos assusta é tudo que ele revela sobre nós: Nossa necessidade de controle, nossa dificuldade de lidar com o vazio e nosso medo de não entender.

E talvez, só talvez, por trás do “ódio” exista uma admiração secreta. Porque um filme que termina e continua nos assombrando, nunca termina de verdade.

E você? Me conta nos comentários qual final aberto te marcou ou te assombra até hoje?