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Opinião

Quando a tela se torna uma arma: o terror psicológico Unknown Number: The High School

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O documentário da Netflix expõe o lado mais sombrio da era digital, no qual a crueldade ganha alcance global.

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revisado por Tabata Marques

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O documentário

Unknown Number: The High School Catfish é o tipo de história que parece saída de um roteiro de suspense, mas é real, e por isso mesmo tão assustadora.

O documentário da Netflix, lançado em 29 de agosto de 2025, mergulha em um caso de cyberbullying e manipulação digital que abalou uma comunidade escolar nos Estados Unidos. Dirigido por Skye Borgman, a mesma de Girl in the Picture e Abducted in Plain Sight, a produção tem 94 minutos de duração e mantém o estilo característico da diretora: a combinação de depoimentos intensos, reconstruções dramáticas e um clima constante de paranoia.

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Produzido por Ross M. Dinerstein e Rebecca Evans, o documentário conta com a cinematografia de Bryan Gosline, a edição de Hans Ole Eicker e a trilha sonora de Ian Hultquist, que cria uma atmosfera sonora densa, amplificando o desconforto. Filmado nos Estados Unidos e apresentado em inglês, Unknown Number recebeu classificação indicativa de 16 anos por abordar temas sensíveis como assédio, chantagem emocional e exposição virtual.

Mais do que um caso policial, a produção revela o impacto psicológico da hiperconectividade, como a tecnologia, usada sem empatia, pode se transformar em instrumento de terror. É uma história sobre o poder destrutivo das palavras digitadas e como a vida online reflete a vida real, como se fosse uma coisa só.

Trailer oficial

Por dentro da escola e celulares

O espectador é conduzido a um cenário de aparente normalidade em uma escola norte-americana até que uma sequência de mensagens anônimas começa a espalhar o caos entre estudantes e familiares. O caso gira em torno de uma adolescente que passa a receber mensagens abusivas e ameaçadoras vindas de um número desconhecido, situação que rapidamente se transforma em um pesadelo coletivo. O documentário acompanha a investigação das autoridades e o impacto psicológico do assédio digital, mostrando como a dúvida e o medo corroem as relações dentro da comunidade escolar.

O trabalho de Skye Borgman se destaca pela forma como costura entrevistas reais, imagens de arquivo e reconstituições dramáticas. A diretora constroi um ritmo de tensão constante, em que cada revelação amplia o desconforto e a sensação de impotência diante da violência virtual. O documentário evita o sensacionalismo típico do gênero e aposta na complexidade do caso, revelando que o verdadeiro perigo nem sempre está fora da tela, mas pode estar mais próximo do que se imagina.

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Ao longo da narrativa, Unknown Number: The High School Catfish questiona não apenas quem está por trás das mensagens, mas o que esse comportamento diz sobre a era digital. A obra levanta discussões sobre privacidade, exposição e a facilidade com que a internet potencializa o bullying e transforma adolescentes em alvos de humilhação pública.

Mais do que buscar culpados, o filme evidencia a necessidade urgente de compreender o impacto emocional das interações virtuais e o quanto o anonimato pode se tornar uma arma quando a empatia é deixada de lado.

Uma reflexão psicológica (com spoilers)

Em uma reviravolta surpreendente, as mensagens anônimas foram enviadas por Kendra Licari, a mãe de Lauryn. Investigadores (com apoio federal) rastrearam os textos por meio de registros e indícios deixados por apps de mascaramento/números anônimos; Kendra confessou, foi presa em dezembro de 2022, declarou-se culpada em 2023 e recebeu sentença (relatada como 19 meses a 5 anos, com liberação em condicional posteriormente).

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Do ponto de vista psicológico, a cobertura do caso e os especialistas citados no documentário mostram um padrão que mistura controle, busca de atenção e reenactment de trauma, uma espécie de “Munchausen digital” ou comportamento de pessoa que cria crise para obter cuidado/centralidade. Kendra chegou a dizer que começou a enviar mensagens tentando “pegar” quem iniciou a campanha, mas que acabou entrando numa espiral da qual não conseguiu sair, uma narrativa que o filme usa para discutir como traumas e carências podem se manifestar de formas manipuladas quando amplificados pela tecnologia.

Socialmente, o caso funciona como alerta: o anonimato e os apps que mascaram remetentes transformam impulsos patológicos em campanhas de dano em massa, e só a perícia digital e a atenção das autoridades conseguiram interromper a escalada.

O documentário reforça o apelo da diretora por diálogo entre pais e filhos e por maior alfabetização digital e suporte de saúde mental. Não é só um mistério resolvido, é um exemplo do quanto tecnologia + desatenção podem amplificar sofrimentos que precisam de intervenção clínica.

Conclusão: Vale a pena assistir Unknown Number?

No fim das contas, Unknown Number: The High School Catfish não é apenas sobre um crime digital, mas sobre o tipo de gente que transforma o amor em instrumento de controle. A mãe, Kendra Licari, parece menos uma pessoa confusa e mais uma estrategista fria. Não há arrependimento, só o constrangimento de ter sido descoberta. Sua “loucura” soa mais como crueldade calculada, o tipo de mente que manipula porque pode, não porque sofre.

Já a filha parece ter ficado presa num ciclo de dependência emocional digno de um estudo de caso. Há algo de trágico e perturbador em ver como ela ainda busca justificar o injustificável, como se o vínculo entre elas fosse uma prisão revestida de afeto. É um retrato cruel de como o abuso pode se disfarçar de proteção, e de como a mente humana é capaz de romantizar o próprio algoz quando o amor e o medo se confundem.

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Vale a pena assistir Unknown Number?

Na minha opinião, sim!

Principalmente para quem gosta de documentários psicológicos e criminais que desmontam a ideia de “monstros óbvios”. Aqui, o mal veste roupa de mãe e fala com voz calma. E talvez esse seja o maior susto: perceber que o perigo não está no desconhecido da internet, mas nas relações que fingem ser seguras enquanto corroem por dentro.

Até o próximo artigo!