Personagens que amamos (e talvez não devessemos) e seus motivos!
O mundo mudou, e com ele, mudaram também os nossos heróis e vilões. O maniqueísmo clássico, que separava os mocinhos dos bandidos, já não sustenta a complexidade das histórias que contamos hoje. Os personagens passaram a ser construídos com mais camadas, mais dúvidas, mais contradições.
Hoje, não basta alguém ter uma motivação clara ou um arco bem definido. O que nos prende é a imperfeição. É ver, na tela, pessoas tão bagunçadas quanto nós: que mentem, erram, manipulam, amam errado, tentam de novo. Que querem fazer o bem, mas às vezes machucam quem mais amam. E que, mesmo assim, não conseguimos deixar de amar.

Personagens controversos são vivos. Eles nos desafiam, nos tiram do lugar comum, e revelam o quanto a ficção pode ser um espelho honesto da nossa própria contradição. E é por isso que a gente decidiu celebrar essas figuras hoje. Aqueles que talvez não sejam exemplo pra ninguém, mas que nos conquistaram por serem humanos demais.
Sem mais delongas, vamos à lista de hoje:
Devi Vishwakumar - Never Have I Ever
Devi é um caos ambulante, e é exatamente isso que faz dela tão memorável. Ela mente, sabota amizades, toma decisões questionáveis e, ainda assim, a gente torce por ela e entende todo esse caos, afinal, todos já fomos adolescentes emocionalmente instáveis.
A jornada de Devi é atravessada por luto, autossabotagem e uma busca desesperada por pertencimento. É justamente essa desordem interna que a torna tão humana. Ela é um lembrete de que crescer é, sim, uma bagunça barulhenta, contraditória e, sem dúvidas, hilária.

Jesse Pinkman - Breaking Bad
Jesse é o tipo de personagem que a gente quer abraçar e dizer (mesmo sabendo que não é verdade) que vai ficar tudo bem. Parceiro de crimes, dependente químico, impulsivo e muitas vezes ingênuo, ele ainda assim nos emociona porque carrega uma dor visceral que a série nunca ignora.
Ao contrário de Walter, que vai se tornando mais frio, Jesse caminha na direção contrária, desenvolvendo ao longo da série uma moral e uma humanidade em meio ao caos. Um criminoso? Sim! Mas também um garoto perdido tentando se agarrar a qualquer migalha de afeto.
As relações que Jesse desenvolve ao longo da série são absolutamente memoráveis. Seja seus romances ou em suas amizades, fica claro que Jesse queria mais do que a vida de crime. Ele quer ser aceito, se sentir bem consigo mesmo e na sua situação, isso é absolutamente compreensível.

Rue Bennett - Euphoria
Rue é o tipo de personagem que faz a gente prender a respiração a cada episódio. Narradora nada confiável, viciada, intensa e cheia de lapsos de responsabilidade, ela destrói tudo que toca. Inclusive a si mesma.
Contudo, embaixo de uma superfície devastada existe uma vulnerabilidade crua, uma honestidade brutal que nos arranca o coração. Rue é uma anti-protagonista que não quer ser exemplo de nada, e talvez por isso seja tão necessária. Porque a gente entende sua dor mesmo quando não consegue justificar suas escolhas.
Rue está quebrada, precisa de ajuda, mas não deixa de ser humana nesse processo e é de partir o coração acompanhar cada momento desesperado de tentativa de fuga de uma realidade miserável, misturada com profundas pinceladas de uma adolescente que se sente sozinha e com medo.

Fleabag - Fleabag
Fleabag quebra a quarta parede como quem quebra o próprio emocional. Ela ri, seduz, mente, chora e conta tudo para nós, como se fôssemos cúmplices do seu colapso. Cheia de escolhas ruins, frases ácidas e uma incapacidade gritante de lidar com a culpa.
Fleabag é o retrato cru do luto, do desejo e da auto ironia, regado pela evidente auto-sabotagem. A gente não deveria gostar tanto dela… mas não tem como evitar. Suas dores são relacionáveis e entendíveis. É como rir de quem escorrega e cai, enquanto segura a mão de quem tá caindo.

Eve Polastri - Killing Eve
Obcecada, impulsiva, moralmente flexível e perigosamente fascinada por uma assassina, Eve é a protagonista que nos faz questionar: Até onde vai o limite da empatia? Sua descida ao mundo de Villanelle é lenta, torta e deliciosa de acompanhar.
A graça de Eve está justamente nessa tensão entre ética e desejo, dever e obsessão. Ela começa como uma agente de inteligência e termina como uma mulher perdida num labirinto que ela mesma ajudou a construir, e a gente não consegue desviar o olhar.
O constante dilema moral, e a tensão romântica entre ela e a assassina é o grande tempero para que seja possível ver, mesmo pelas vias mais tortuosas, a libertação e encontro da identidade de uma mulher singular.

Misato Katsuragi – Neon Genesis Evangelion
A oficial descolada que bebe demais e tenta manter a pose de adulta responsável enquanto o mundo afunda em um colapso existencial. Misato é complexa, ambígua, muitas vezes irresponsável, mas também uma das personagens mais intensas e emocionais de Evangelion.
Ela é símbolo da crise de identidade adulta: Tentando proteger os outros enquanto não sabe cuidar de si. E a gente se vê nela, perdida entre traumas mal resolvidos e tentativas desesperadas de fazer o que é certo.
Misato de fato erra, às vezes toma decisões duvidosas, mas é perceptível que quando erra, está dando seu melhor para acertar.

Beth Harmon – The Queen's Gambit
Beth é genial, fria, vaidosa e viciada. E ainda assim, é impossível não se encantar com sua presença hipnótica em cena. Ela transforma um jogo silencioso como o xadrez em uma experiência viva e cheia de emoção.
Sua trajetória é marcada por perda, orgulho e isolamento, mas também por força e reinvenção. Beth não é fácil de amar, mas é difícil de esquecer. Uma personagem que desafia o mito do “gênio atormentado” com classe, coragem e uma garrafa na mão.
Sua história e seus traumas são o ponto de partida de sua trama e é aí que reconhecemos sua humanidade. Beth é um livro fechado, mas transparente quando entendemos sua origem e tudo que lhe levou até ali.

BoJack Horseman – BoJack Horseman
Bojack é um desastre em forma de cavalo antropomórfico: Narcisista, autodestrutivo, viciado, emocionalmente indisponível e egocêntrico até a raiz da crina. Mas também é uma das representações mais brutais e honestas sobre depressão, trauma e a eterna tentativa de se tornar alguém melhor, mesmo que o caminho seja torto, cínico e repleto de recaídas.
Ele nos força a olhar para a pergunta que mais assombra: e se eu nunca melhorar? Amamos BoJack não apesar de seus erros, mas porque ele nunca deixa de falhar e tentar de novo, ainda que isso signifique machucar quem está ao redor. Ele é a pior versão de nós mesmos… e por isso mesmo impossível de ignorar.

Finalizando
No fim das contas, o que esses personagens têm em comum não é apenas a controvérsia. É a coragem de existir em suas próprias contradições. Eles nos lembram que ninguém é feito só de acertos, e que até mesmo os erros mais difíceis podem carregar beleza, humanidade e complexidade.
Amar personagens assim é um exercício de empatia. É se reconhecer em quem falha, se emocionar com quem não sabe amar direito, e torcer por quem ainda está tentando se entender. Eles nos desafiam a ir além da moral simplista e a abraçar o desconforto, porque é nele que muitas vezes mora a verdade.
E que sorte a nossa que a ficção nos permite esse encontro com o imperfeito. Porque, no fundo, amar personagens controversos é só mais uma forma de aprender a amar a nós mesmos, com todas as nossas falhas, exageros e dilemas sem resposta.
E o que você acha desses personagens? Alguém especial que ficou fora da lista? Conta para a gente nos comentários!
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