Monster: A Série
Monster faz parte da antologia idealizada por Ryan Murphy e Ian Brennan. É a terceira temporada da franquia, depois de Jeffrey Dahmer (2022) e os irmãos Menendez (2024), dirigida por Max Winkler e em exibição pela Netflix.
A proposta da antologia seria explorar como “os monstros não nascem, são feitos”, ou seja, a origem do horror humano advindo da influência do ambiente, da mente e dos mitos culturais.

No elenco principal de Monster – A História de Ed Gein, temos Charlie Hunnam interpretando Ed Gein, Laurie Metcalf como sua mãe Augusta (Augusta Gein), Suzanna Son como Adeline Watkins, Tom Hollander como Alfred Hitchcock e Joey Pollari como Anthony Perkins.
Nessa terceira temporada, a trama acompanha Ed Gein nos anos 1950, na zona rural de Plainfield, no Wisconsin, mostrando sua vida isolada, a relação doentia com a mãe Augusta e sua decadência criminal: as invasões de túmulos, assassinatos e o uso de restos humanos para criar objetos tenebrosos. Paralelamente, a série intercala sequências fictícias nos bastidores de Hollywood, mostrando como escritores e cineastas, entre eles Hitchcock, Hooper (O Massacre da Serra Elétrica) e Demme (O Silêncio dos Inocentes), se inspiraram em Gein, destacando como ele ainda exerce influência sobre o gênero de horror.

As críticas à série não foram nem um pouco mornas. A The Guardian, por exemplo, a acusa de “se dedicar mais ao voyeurismo do que a realmente entreter”, definindo a obra como “uma exploração imoral”. O Hollywood Reporter vai ainda além e resume Monster: The Ed Gein Story como “horrível”. No Rotten Tomatoes, a crítica é majoritariamente negativa, pontuando apenas 19% entre os especialistas e 55% pelo público.
Mas alguns reconhecem seus méritos. A Heaven of Horror elogia a atuação de Charlie Hunnam e a ousadia de trazer Gein à luz, chamando essa temporada de “a mais sombria da antologia até agora”. A Heaven of Horror Cicero’s diz que a série tenta mais retratar quem ele era do que apenas o que fez.

A História
Para melhor entender todo esse fascínio mórbido sobre a figura de Gein, precisamos primeiro conhecer os fatos.
Edward Theodore Gein nasceu em 27 de agosto de 1906, em La Crosse, Wisconsin. Segundo filho de um pai alcoólatra e de uma mãe fanática religiosa com valores distorcidos, o rígido padrão moral da progenitora contaminou a relação do filho com sexualidade, culpa e afeto. Após várias perdas familiares, Gein se tornou recluso na fazenda herdada próxima a Plainfield. Levava uma vida ordinária, com trabalhos ocasionais, e a solidão pode ter servido para agravar seu estado mental, culminando em seus crimes.
O registro oficial da primeira vítima consta de 8 de dezembro de 1954, com o desaparecimento da dona de um pub, Mary Hogan. Quando a fazenda de Gein foi revistada anos depois, sua cabeça foi encontrada no local. Esse foi um dos homicídios confessados por Gein.

O segundo registro é de 16 de novembro de 1957, quando a comerciante Bernice Worden desapareceu, e um recibo da compra de “anticongelante” ligou Gein à loja naquela manhã. No mesmo dia, ela foi localizada na propriedade dele: morta a tiro, decapitada e suspensa em um galpão. Foi nessa ocasião que Gein foi preso. Esse foi o segundo homicídio confessado por ele.
Registros ainda contam que, em 1944, o irmão de Ed, Henry Gein, morreu durante um incêndio em um terreno próximo à fazenda da família. Apesar de contusões na cabeça gerarem suspeitas posteriores sobre o envolvimento de Ed na morte do irmão, a morte foi oficialmente considerada acidental, sem evidências suficientes para sustentar mais uma acusação de homicídio contra Gein.
No dia em que os restos de Bernice foram encontrados, a busca na casa revelou que Ed tinha por padrão violar túmulos e confeccionar itens com restos humanos coletados por ele. Gein também admitiu saques a cemitérios.
Logo, sobre Ed Gein recaem dois homicídios confirmados de acordo com as investigações. Ainda que algumas literaturas de referência mantenham registradas suspeitas sobre outros homicídios, tais suspeitas não foram comprovadas.

Parte das lendas sobre Ed Gein surgiu do fato de ele criar objetos grotescos com os restos mortais de seus saques a cemitérios e de suas vítimas. Gein, por exemplo, criou fantasias mortuárias que lembravam a figura de sua mãe. E, embora a cultura popular frequentemente o trate como “serial killer”, o fato de possuir apenas a comprovação de duas vítimas e a profanação contínua de túmulos o coloca somente na categoria de assassino/figura sombria, algo bem distante do perfil de um serial killer.
Quando preso, inicialmente Gein foi considerado insano e internado. Em 1968, o tribunal o declarou apto para ser julgado, considerando-o culpado pelo homicídio de Bernice Worden, embora tenha mantido a determinação de internação em instituições de saúde mental. Gein morreu em 26 de julho de 1984, de complicações decorrentes de um câncer no pulmão, no Mendota Mental Health Institute, em Madison.

O que se sabe sobre a patologia de Gein, diagnosticada como esquizofrenia, é que o homem nutria um luto patológico pela mãe e utilizava-se de fantasias de incorporação, vestindo a pele feminina como uma máscara para reduzir a distância e a ausência dessa figura. Parte dessa conclusão provém de evidências periciais e de confissões. O que realmente é documental sobre ele diz respeito à fixação materna, à preservação do quarto da mãe, aos objetos humanos, à violação de túmulos e aos dois homicídios.
Após a prisão de Gein, sua casa acabou se tornando um local de curiosidade mórbida e foi listada para leilão público, com anúncios e inventário de bens. No entanto, antes que o local se tornasse algo lucrativo, a casa incendiou-se em 20 de março de 1958. O terreno permanece, até hoje, como um lugar de memórias ruins e especulações sobre as causas do incêndio. O que foi documentado por arquivos históricos de Wisconsin, e recontado por reportagens mais recentes, é que os vizinhos estavam descontentes com a péssima impressão que o local causava na comunidade.
A conclusão factual é que as motivações íntimas, diagnósticos retroativos e simbolismos a respeito de Gein precisam ser lidos com cuidado e comparados com registros da época e relatórios oficiais. Fora isso, tudo é especulação e ficção.
A Patologia
O diagnóstico de Gein serve como um parâmetro para tentar entender o que acontecia dentro da mente desse indivíduo. Porém, é importante lembrar que a psiquiatria e o estudo de patologias mentais se desenvolveram muito desde os anos 1950 até hoje. O que sabemos sobre sua condição, a esquizofrenia, é muito mais claro agora do que naquele tempo.
A esquizofrenia é um transtorno mental crônico e complexo que altera percepção, pensamento e emoção. Quando acometido, o paciente costuma delirar, alucinar (frequentemente ouvindo vozes), sofrer com linguagem e comportamento desorganizados, além de apresentar sintomas “negativos”, como apatia, retraimento social e insensibilidade afetiva. Há também impactos cognitivos negativos, como falta de atenção, memória de trabalho prejudicada e redução de funções executivas, o que impacta a vida diária.
O tratamento da esquizofrenia combina antipsicóticos com abordagens psicossociais de longo prazo.

Quanto ao ponto sensível sobre a violência, que faz ponte direta com o caso de Gein, é preciso esclarecer:
A literatura científica mostra um aumento de risco relativo de envolvimento em violência entre pessoas com psicoses (incluindo esquizofrenia), quando comparadas à população geral. Contudo, grande parte desse excesso de risco é explicada por comorbidades (como quadros de psicose) e uso de substâncias, como álcool e outras drogas.
Em estatísticas de vários estudos baseados na população, quando separados os casos com abuso de substâncias, o risco cai substancialmente. Em alguns casos, o risco que persiste se aproxima do de pessoas com transtornos relacionados ao uso dessas mesmas substâncias, e não da psicose ou esquizofrenia. Em outras palavras: o risco existe, mas é muito menor quando o paciente não usa ou abusa de substâncias.
Também é importante separar risco relativo de risco absoluto. Em pesquisas de longa duração (35 anos de estudos), os riscos absolutos de perpetrar violência permanecem baixos (por exemplo, menos de 1 em 20 para mulheres e menos de 1 em 4 para homens com transtornos do espectro da esquizofrenia). Esses números, apesar de chamarem a atenção, estão longe do estigma de que “esquizofrenia = violência”. A esmagadora maioria das pessoas com esquizofrenia nunca comete atos violentos.

É também importante pontuar outro dado que poucos destacam: pessoas com esquizofrenia são mais frequentemente vítimas de violência do que perpetradoras. Em alguns levantamentos, a vitimização supera em múltiplas vezes a autoria, apontando para fatores sociais como vulnerabilidade, estigma, moradia precária, desemprego e exposição à violência. Esses fatores precisam chamar a atenção das políticas públicas.
Quando, então, a doença pode contribuir para um homicídio? O risco aumenta em contextos específicos: psicose ativa e não tratada (delírios de perseguição intensos, “vozes” ordenando ações), comorbidades por uso de substâncias, histórico prévio de violência, altos estressores sociais e acesso a armas. Mesmo nesses cenários, estamos falando de uma minoria de pacientes. O risco tende a cair muito quando há tratamento contínuo, uso de medicação e suporte psicossocial. Ou seja, tratar a doença e as comorbidades reduz significativamente o risco.

Por fim, pela perspectiva jurídico-forense, um diagnóstico de esquizofrenia não é sinônimo de inimputabilidade penal. A “defesa por insanidade” é um conceito legal, não clínico. As regras variam por jurisdição, e a decisão costuma girar em torno de determinar se, no momento do ato, o réu era incapaz de compreender a natureza ou ilicitude do que fazia ou de se guiar por esse entendimento. Ter um transtorno mental, isoladamente, não basta: o acusado precisa demonstrar o nexo entre a psicose ativa e a incapacidade jurídico-mental exigida pela lei vigente. Em muitos países ou estados, esse padrão é difícil de provar, e o sucesso dessa defesa é raro.
Resumindo: a esquizofrenia é um transtorno sério e tratável, e a ideia de que “leva” alguém a cometer homicídio é um mito que surge de casos extremos e da cultura pop. O risco só aumenta em cenários de psicose descompensada e, acima de tudo, com o uso de substâncias, ambos passíveis de serem prevenidos e tratados clinicamente.
Diferenças entre a história real e a série Monster
Sabemos que uma obra ficcional não tem obrigação de ser 100% baseada nos fatos. Assim, muitos diretores/autores extrapolam quando recriam para as telas a vida de uma figura emblemática. Isso pode melhorar ou estragar a experiência de quem assiste à produção e, às vezes, saber de antemão o que é fato e o que é ficção numa série ou em um filme pode ser um fator que nos leva a assisti-lo ou não.
E, agora, com o conhecimento sobre a verdadeira história de Gein e sua patologia, podemos comparar onde o diretor Max Winkler se manteve fiel à história e onde ele apertou o pé no acelerador da fantasia.

1 - A causa da prisão foi por causa do recibo de anticongelante e não por um bilhete em uma caixa de presente.
A detenção de Gein ocorreu após o desaparecimento de Bernice Worden, e um recibo de compra de um anticongelante ligou Gein à loja dela e levou a polícia à fazenda, onde os restos e artigos feitos com restos humanos foram achados.
2 – O romance de Gein e Bernice
Gein e Bernice nunca tiveram um envolvimento romântico. Não existe base histórica que relate esse fato.

3 - Saques a túmulos e objetos feitos de partes humanas
É ponto pacífico nos dossiês históricos que, sim, Gein saqueava sepulturas e criava itens com restos humanos, e isso foi amplamente catalogado após a busca na propriedade.
4 - “Namorada/acompanhante” cúmplice
A relação afetiva entre Adeline Watkins e Gein, como “acompanhante e cúmplice”, não foi um fato comprovado em registros oficiais. É mais uma criação para fins dramáticos.

5 – Necrofilia
Relatos populares e algumas matérias listam necrofilia entre os horrores atribuídos a Gein, mas checagens recentes lembram que Gein negou e não houve comprovação forense a respeito. Ou seja, a temporada exagera em um ponto bem polêmico.
6 - Cartas com Richard Speck e “ajuda” a capturar Ted Bundy
A temporada sugere cartas e pistas cruzadas, mas não há registro histórico da relação entre a prisão de Bundy e Gein. É mais uma invenção narrativa.

7 – Inspiração para Hitchcock/"Psycho" e O Massacre da Serra Elétrica
Sim, Gein inspirou o romance “Psycho” (1959) e, por extensão, o filme (1960). Porém, não existem evidências de encontros diretos entre Hitchcock e Anthony Perkins como a série encena nos bastidores narrativos. A conexão é apenas para fins ficcionais, não biográfica.
Ele também inspirou O Massacre da Serra Elétrica, mas não existem provas documentadas de que Gein correu atrás dos dois caçadores com uma serra na mão, como dramatiza a série.
8 – Sexualidade
Anthony Perkins realmente era homossexual, mas viveu grande parte de sua vida em segredo devido ao contexto social e à pressão de Hollywood na época.
Ele chegou a se casar com a fotógrafa Berry Berenson, em 1973, e tiveram dois filhos. Na década de 1980, foi diagnosticado com H I V, algo que manteve em segredo por anos. Faleceu devido a complicações derivadas do vírus, em 1992.
Uma curiosidade: o filho mais velho de Perkins, Osgood "Oz" Perkins, seguiu os passos do pai na indústria cinematográfica e se tornou diretor e roteirista. Ele dirigiu filmes de terror, como Longlegs, A Enviada do Mal e Maria e João: O Conto das Bruxas.

Ponto de Vista
Esse detalhe faria muito sentido para que, de uma vez por todas, se retirasse Gein do pedestal de ídolo de psicopatas que o veem como referência e admiram seus feitos, colocando-o no lugar de uma vítima de sua doença e ambiente, o que o levou a causar a morte de mais vítimas, em um efeito dominó. Isso, por consequência, tiraria dele todo o ar degenerado e carniceiro que é o que leva pessoas com o mesmo instinto a idolatrá-lo. Ao mesmo tempo, levantaria, mais uma vez, a importância do tratamento de doenças desse tipo.
Porém, quando não existem fatos a respeito, pode-se entrar no delicado limite entre dramatizar ou romantizar. Humanizar um serial killer para que se retire do imaginário popular o monstro, e que as pessoas entendam que o predador pode ser uma pessoa próxima, comum, com cara de ingênuo, é de suma importância. Isso nos leva a nos cuidar mais, a ficarmos mais atentos para não cairmos em seus golpes e a não sermos uma de suas vítimas. Mas, quando esse limite ultrapassa o que é real, corre-se o perigo de romantizar um problema e amenizar o que o autor causou às vítimas e à sociedade.
Os episódios finais da série, em que uma enfermeira tenta convencer Gein a escrever uma biografia falando a ‘verdade sobre quem ele era’, levam a crer em um Gein que realmente seria aquela pessoa castrada pela mãe. Quase um ‘homem-criança’ que, em um momento em que a doença assumiu o controle, tirou a vida de pessoas e violou corpos, mas que ele, em sua inocência patológica/psíquica, nem mesmo se lembrava disso.
Nos momentos finais de sua vida, onde a série (após uns minutos de musical?) pinta um quadro ‘emocionante’ do encontro de Gein com sua mãe, aquela de quem sempre esperou aprovação, ele pergunta se ela estava orgulhosa dele. Mais uma vez, induz o público a acreditar que Gein não tinha real consciência do tamanho do mal que havia praticado. Que ele se enxergava apenas como uma vítima de sua esquizofrenia, que o levou a cometer tais horrores.

Mas em que momento os registros oficiais provam esse dado médico? Onde encontramos documentos que nos digam, sem qualquer sombra de dúvida, que Gein não podia controlar ou evitar ou estar minimamente consciente quando matou aquelas mulheres?
Esse é o maior erro da série para mim: essa romantização acima da dramatização. Humanizar o monstro, mostrando que sua doença e seus traumas não tratados culminaram em terríveis consequências sociais, é importante, mas romantizar sua história, não.

Vale a pena assistir Monster?
Se você gosta do gênero que a antologia Monster se propõe, sim. A fotografia é agradável e contribui para a história que o diretor quer contar. Há momentos em que realmente nos sentimos tensos e, diria até, como se estivéssemos assistindo a um filme de terror.
A ambientação da fazenda isolada, em alguns momentos, também traz um símbolo narrativo muito importante. Sem falar na atuação de Charlie Hunnam, que, para mim, é o ponto alto da série.

Mas não vá esperando algo nem 50% baseado em fatos da vida de Gein, porque a série se propõe a uma romantização e a uma visão sobre o impacto de sua figura na sociedade, em criminosos e na cultura pop. Aqui, a série tem bastante êxito.
Em contraponto, dá espaço demais a personagens que não importam para a narrativa da vida de Gein. A montagem entre tempos/épocas pode deixar alguns confusos, e cenas de sexo colocadas apenas para gerar burburinho não serão uma experiência agradável.

Após mergulhar na mente do doente Ed Gein, bateu a curiosidade de dar play na série ou ela te pareceu mais exploração do que reflexão? E, se você já viu, conta pra gente: o que te pegou mais, a atuação, o choque ou as várias licenças criativas?

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