O audiovisual cresceu de uma maneira gigantesca nas últimas décadas. Junto com esse crescimento, a produção de conteúdo cada vez maior também foi desencadeada. As adaptações sempre estiveram presentes no cinema, mas nunca se fez tanta adaptação quanto hoje. Com uma produção maior, significa que se adapta muito mais.
Porque vemos cada vez menos adaptações que realmente funcionam?
A primeira temporada de The Last of Us foi um caso bem-sucedido (embora a segunda, nem tanto). Já Percy Jackson teve uma recepção controversa, The Witcher sofreu uma enorme queda de qualidade, Cowboy Bebop foi cancelada, Avatar Live-action chega com expectativas tensas e a cereja no topo do bolo: Anunciaram um reboot seriado de Harry Potter.
Afinal, o que está acontecendo com as adaptações hoje?

A superprodução e o esgotamento criativo
A já mencionada grande produção em massa, impactou o mercado de maneira direta. Além das crescentes demandas por novos conteúdos, os resultados precisam ser melhores, mais bem sucedidos e mais rentáveis.
A preocupação deixou de ser criar uma obra com uma identidade própria e passou a ser uma preocupação com a “fidelidade” ou “comercialidade” da adaptação.
É triste ver esse movimento dominar essa área, considerando que a maior parte das adaptações bem-sucedidas ousou reinterpretar e encontrar sua própria alteridade. The Lord of The Rings do Peter Jackson, por exemplo, ou Fight Club de David Fincher, até mesmo os primeiros filmes da franquia Harry Potter.
Fidelidade nem sempre significa qualidade. Aprendemos com os filmes antigos, que não só as adaptações, mas o cinema e a TV precisam encontrar sua própria linguagem para brilhar.

IP: A adaptação virou Mercadoria?
IP significa “Propriedade Intelectual” e esse é o grande produto do mercado de estúdios e streamings. Mais importante do que a obra em si é a propriedade intelectual dela. Isto é: Cada boneco, blusa ou boné original daquela obra vai render lucro direto ao detentor da propriedade, e é decisão dele o que vai ou não ser feito.
Decisões agora são baseadas em dados e não em visão artística, porque o produto precisa ser feito para render. Ao avaliar os sucessos de obras anteriores, acabamos pousando exatamente onde estamos agora: A era da repetição.
Reboots, remakes, prequels e spin-offs passam a ser uma forma de prolongar e extrair cada gota possível de cada obra, levando sua rentabilidade à máxima potência.
O medo de errar mata a ousadia. Se tudo é testado, aprovado, moldado pelo algoritmo, o que sobra da arte?

A recepção do Público e a Nostalgia tóxica
Imersos na era da repetição, o público em geral ficou dividido entre expectativa e ressentimento. Parte porque rever de novo e atualizado sua obra favorita pode ser prazeroso, sim, mas parte em saber que o sabor nunca será o mesmo.
Com a era da conectividade, os fandoms também passaram a exercer mais poder. Querer ver o livro na tela é um desejo comum para um fã e o nicho pode ser muito lucrativo, mas onde fica o espectador médio que só quer ver um bom filme?

Adaptação ou Transposição? A crise da linguagem
Muitos projetos hoje confundem “adaptação” com “transposição literal”.
Ao tentar copiar plano a plano o material original (como cenas de jogos ou diálogos de livros), perde-se a chance de reimaginar a obra na linguagem audiovisual, com suas próprias ferramentas de tempo, ritmo, visualidade e silêncio.
O sucesso de The Last of Us se deu justamente porque, apesar da fidelidade, houve liberdade criativa. Já casos como Cowboy Bebop mostram como copiar o estilo sem entender a alma da obra pode resultar em algo estéril, sem impacto.
Adaptar não é copiar. É recriar.

Existe salvação? Exemplos que acendem a esperança
Nem tudo está perdido. Mesmo nesse mar de reciclagens e reboots, algumas adaptações mostram que ainda é possível reinventar com inteligência e frescor.
Duna (Denis Villeneuve) transformou um livro considerado infilmável em uma ópera sci-fi visualmente arrebatadora, equilibrando ousadia estética e fidelidade narrativa.
Bones and All (Luca Guadagnino), baseado no romance de Camille DeAngelis, mistura horror, romance e coming of age numa adaptação poética, sensorial e desconcertante; provando que escolhas autorais fortes ainda têm espaço.
Já The Queen’s Gambit (Netflix), adaptado de um romance de 1983, mostrou como uma história aparentemente simples pode ganhar força com uma estética marcante, direção sensível e uma protagonista hipnotizante.
O que essas obras têm em comum? Visão autoral, domínio da linguagem audiovisual e coragem de arriscar. É disso que sentimos falta.

Conclusão
As adaptações não são o problema. Na verdade, elas sempre foram uma ponte poderosa entre mundos, capazes de traduzir linguagens, recriar universos e fazer diferentes públicos se encontrarem. O que está em crise não é a ideia de adaptar, mas a forma como se adapta.
Hoje, muitas obras são engolidas por um sistema que vê propriedades intelectuais como minas de ouro prontas para serem exploradas até a última pepita. A urgência do lucro, a ansiedade por agradar todo mundo e o medo do fracasso deixam pouco espaço para o risco, para a invenção e para a verdadeira escuta do material original.
Se adaptar virou só um pretexto para reviver franquias gastas... então, talvez o problema não esteja nas histórias, mas na maneira como escolhemos contá-las.
O público não está cansado de adaptações. Está cansado de não ser surpreendido.
Se há algo que as boas adaptações ainda nos ensinam é que fidelidade não está em copiar cena por cena, mas em capturar a essência. E, para isso, é preciso ter coragem de se desviar do caminho mais seguro.
Enquanto os grandes estúdios não entenderem isso, a repetição seguirá sendo o sintoma e o cansaço, a resposta.
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