
O Enredo
Meus 84m² (ou Wall to Wall, no título original em inglês) é um thriller sul-coreano que estreou na Netflix em 18 de julho.
Dirigido por Kim Tae-joon e estrelado por Kang Ha-neul, Yeom Hye-ran e Seo Hyun-woo, o filme conta a história de Noh Woo-sung, um homem na casa dos 30 anos que juntou todas as suas economias para comprar um apartamento em Seul.

Após eventos marcantes, como um divórcio precoce, resumidos em cenas rápidas nos créditos iniciais, encontramos Noh Woo-sung no presente como mais um dos chamados "pobres com casa": alguém praticamente falido, mas que possui um imóvel em seu nome.
Todo o seu salário vai para comer e pagar as parcelas do apartamento, enquanto ele espera pela prometida valorização do imóvel com a futura construção de uma linha de trem no bairro.
Mas algo começa a desmoronar.

Woo-sung passa a ser atormentado por ruídos constantes vindos dos apartamentos vizinhos. E é aí que a paranoia começa. Quem está causando esses barulhos? Como fazer com que parem? E, acima de tudo: como manter a sanidade quando a própria casa, aquele refúgio tão sonhado, se torna um gatilho para o colapso?
Um Barulho Real
Para nós, o incômodo com barulhos de vizinhos pode parecer algo pontual, talvez irritante, mas não exatamente grave. No entanto, na Coreia do Sul, esse é um problema sério e crescente, que afeta boa parte da população.
Cerca de 75% dos sul-coreanos vivem em edifícios residenciais, cujas paredes de concreto, sejam laterais, superiores ou inferiores, possuem, em média, apenas 30 cm de espessura. Essa estrutura torna os sons do cotidiano, passos, móveis arrastando, conversas, extremamente perceptíveis e incômodos, gerando estresse, conflitos e, em alguns casos, crises emocionais.

O problema chegou a tal ponto que, em 2023, o Tribunal Distrital Central de Seul decidiu a favor de um grupo de moradores em uma ação contra a construtora responsável por um prédio com isolamento acústico insuficiente. A construtora foi condenada a cobrir 70% dos custos para a instalação de painéis de piso à prova de som, gerando um prejuízo de bilhões de wons (cerca de US$ 2,9 milhões).
Diante do aumento exponencial das reclamações, o governo sul-coreano decidiu agir. Em novembro de 2023, o Ministério de Terras, Infraestrutura e Transportes estabeleceu que novas construções residenciais só receberiam autorização se passassem por testes de qualificação sonora. Caso contrário, as construtoras seriam obrigadas a realizar reparos adicionais até que os critérios mínimos fossem atendidos.

No entanto, o Estado só consegue agir até certo ponto.
Prova disso é que o número de reclamações anuais registradas pelo Centro de Relações com Vizinhos, uma agência estatal criada para mediar conflitos, quadruplicou em apenas uma década, saltando de 8.795 casos em 2012 para 36.435 em 2023.
O problema é que o suporte oferecido pelo centro ainda é bastante limitado. Ele não possui autoridade para intervir diretamente nas situações de conflito, funcionando mais como um canal de escuta do que como uma solução real. E, ano após ano, o quadro só piora.
Diante de um cenário em que os ruídos não cessam, os vizinhos não dialogam e o Estado não age com eficácia… é inevitável pensar: até quando alguém vai aguentar antes de perder o controle?
Por Que Insistir?

A vida de Noh Woo-Sung está longe de ser fácil. Em seu trabalho monótono de escritório, o gerente o ridiculariza, chamando-o de “pobre com casa”, enquanto um colega questiona por que ele simplesmente não vende logo o apartamento, que, para todos os efeitos, não passa de uma dívida colossal a longo prazo.
Mas Woo-Sung tem um objetivo. Não pretende abrir mão do único investimento de sua vida sem ver algum retorno. Ainda que isso signifique ter dois empregos, viver no limite do cansaço, tudo para continuar pagando as parcelas do imóvel, esperando que ele se valorize quando (ou se) a linha de trem prometida for concluída no bairro.
E então, quando parecia que não dava para piorar… piora.

A vizinha do apartamento de baixo começa a deixar bilhetes em sua porta. Primeiro, pedidos educados. Depois, exigências raivosas: que ele pare com os barulhos, pois está atrapalhando os estudos das filhas. Woo-Sung, confuso, tenta explicar que os ruídos vêm do andar de cima, mas quando tenta provar, os sons cessam como se zombassem dele. A vizinha não acredita, e então o ameaça.
A tensão começa a se infiltrar em cada canto dos 84 m² que deveriam ser seu refúgio.

Desesperado por respostas, Woo-Sung decide confrontar os vizinhos um por um, subindo andar por andar. Mas todos jogam a culpa para cima, literalmente. O barulho? É sempre do apartamento acima. E assim ele sobe até a cobertura... sem descobrir quem é, afinal, o responsável por tirar sua paz (e talvez a de todos ali).
Nesse ponto, começamos a nos perguntar: será que esse apartamento vale mesmo tudo isso? Mas ainda não entendemos a verdadeira reflexão que o filme guarda para nós.
Comprando e Vendendo
Quando chega ao seu limite, Noh Woo-Sung decide seguir o conselho de um colega de trabalho e investir em criptomoedas. Ele recebeu uma dica valiosa: uma queda iminente no mercado, seguida por uma alta expressiva. Seria a chance perfeita de mudar de vida, ou, ao menos, sair do buraco.
É aí que o filme nos puxa para dentro de sua agonia.
Woo-Sung precisa se concentrar, precisa executar cada passo do plano com precisão cirúrgica. Mas como manter o foco quando os ruídos não lhe dão trégua? Quando sua mente está em frangalhos e o cansaço é um inimigo que lateja atrás dos olhos?

As cenas dessa sequência são de tirar o fôlego. Entre cortes rápidos e respiração contida, vemos a tensão se desenrolar: os sons que invadem o apartamento, o suor escorrendo, o dedo trêmulo sobre o mouse, os números piscando na tela como contagem regressiva para a ruína. A paranoia se espalha pelos cômodos.
E o mais incrível: tudo isso em um filme sobre... apartamentos.
Mas nada, absolutamente nada, se compara ao ápice. O momento da venda. O momento de tudo ou nada.
Woo-Sung está cercado. Literalmente.

Seus vizinhos o colocam numa situação tão desesperadora que ele se vê sem computador. Sem celular. Sem nenhuma forma de acesso. E o tempo está correndo. Minutos. Depois, segundos. A janela para comprar as moedas está prestes a se fechar, e com ela, a última esperança de não perder o apartamento.
A cena é sufocante.
Você torce, aperta os punhos, sussurra um "vai, vai, vai!" com ele. Tudo o que ele precisa é alcançar aquele maldito botão do mouse.
Só isso.

Por Trás das Cortinas
Os plot twists, embora alguns não tão surpreendentes, cumprem bem seu papel. A trama por trás dos ruídos não é exatamente inovadora, mas é convincente dentro do que se espera desse tipo de narrativa. E talvez o maior mérito do filme esteja aí: não em como a história termina, mas em como ela é contada.
É na condução, e não na conclusão, que Meus 84m² brilha.

A forma como Noh Woo-Sung se engana sobre quem são os aliados ou inocentes, como ele mesmo se torna o centro de tudo, culminando num quase sacrifício apenas para que as construtoras paguem por seus crimes, tudo isso compõe um retrato inquietante.
O filme nos mergulha na vida claustrofóbica de Woo-Sung, na sua paranoia crescente, mas também na sua ganância velada, essa recusa em abrir mão de algo em nome da própria sanidade. E esse dilema é, talvez, a parte mais fascinante da produção.

Mais do que a conclusão, são os momentos em que Woo-Sung está à beira de perder seu apartamento que realmente nos prendem. Há mais tensão genuína nesses trechos do que em muitos filmes, inclusive no próprio "Com Unhas e Dentes".
Meus 84m² nos força a julgar o caráter de Woo-Sung, ao mesmo tempo em que planta a dúvida incômoda: e se fosse com a gente? Teríamos coragem de abrir mão de algo no qual investimos tanto tempo, esforço e dinheiro... só por causa de terceiros?
A resposta não é simples.
Mais Que Um Imóvel
Muita gente pode sair confusa com o final de Meus 84m², então deixo aqui minha visão pessoal, sem spoilers, prometo.
Quando vemos Noh Woo-Sung rindo no meio da sala, naquele lugar onde está agora, depois de tudo, a pergunta inevitável surge: valeu a pena?
Seria melhor viver em paz, num espaço onde o status quo prevalece?
Ou é mais suportável uma existência ordinária, desde que se mantenha vivo o sonho de ascender, de, quem sabe, alcançar algo maior?

Essa ânsia. Esse desejo de subir. De vencer. De ter. Vale tanto a ponto de aceitarmos viver num mundo onde a justiça se cala diante dos corruptos, onde os ricos erram impunes, e os pobres são empurrados à loucura?
Bom... nós sabemos qual foi a resposta de Noh Woo-Sung.
No fim, Meus 84m² não é apenas sobre ruídos, imóveis ou vizinhos. É sobre status, corrupção e o preço silencioso da ganância.

Vale a Pipoca?
Vale muito a pena se você está atrás de um filme que aguça a curiosidade e faz você se perguntar, do começo ao fim, o que diabos está acontecendo nesse prédio e o por quê.
Se está com vontade de sentir um frio na barriga com cenas de tensão bem dirigidas, Meus 84m² entrega.
Não tem um enredo super original, nem um plot twist de cair o queixo. Mas diverte, prende a atenção e, de quebra, ainda deixa uma reflexão no final.
É aquele tipo de filme que entretém sem parecer tempo desperdiçado.
Agora me diz: você abriria mão do seu apartamento por causa de vizinhos barulhentos?
Ou faria como Noh Woo-Sung… e não largaria o osso?
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