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Pedro Pascal e o Preço da Onipresença: quando o público ama, enjoa e precisa de tempo

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Do Oscar ao hype das franquias, o público parece seguir o mesmo ciclo: coloca o ídolo no altar da adoração e, logo depois, o empurra para o abismo da saturação. Mas até que ponto um ator deve recuar para preservar sua imagem, ou seguir aproveitando o hype?

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revisado por Tabata Marques

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Da Simpatia a Antipatia

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A vida de um ator pode ser tão breve quanto uma temporada de sucesso ou tão longa quanto a paciência do público permite. O tempo de duração da fama nem sempre é regido pelo talento, e sim pela percepção. Estar “em alta” é uma janela curta e preciosa, e muitos correm para aproveitá-la, aceitam todos os papéis, multiplicam aparições, estendem o rosto por todas as telas. Às vezes, funciona, a onipresença mantém o nome vivo, assegura contratos, garante relevância. Outras vezes, porém, o efeito é o contrário, o público se satura, e a figura que inspirava fascínio começa a provocar irritação.

É o paradoxo cruel do estrelato: o mesmo amor vira asco. A exposição excessiva pode corroer o mistério que mantém o interesse vivo. Um ator que aparece em todas as histórias deixa de ser personagem e passa a ser ele mesmo, repetido, previsível, até intrusivo. A indústria, é claro, incentiva o ritmo frenético, há sempre um novo projeto, uma nova franquia, um novo streaming pedindo o rosto do momento. Mas o público, que primeiro se apaixona pela novidade, se cansa com a repetição.

Anne Hathaway, por exemplo, aprendeu e sofreu com isso no auge do sucesso.

O Caso “Hathahate”

Anne Hathaway vinha de uma trajetória crescente e o filme O Diabo Veste Prada (The Devil Wears Prada) solidificou sua presença nas telas, mas de 2011 a 2013 veio o revés, e, ao mesmo tempo em que ela subia artisticamente, a percepção pública se tornou negativa.

Em 2012, quando a atriz interpretou Fantine em Les Misérables, seguido de fevereiro de 2013, quando levou o Oscar de Coadjuvante, veio o ápice de sua visibilidade que deixou claro o incômodo quanto “ao jeito” Hathaway diante das câmeras.

Antes disso, em 2011, ela coapresentou o Oscar ao lado de James Franco, uma noite que, quando relembrada, seria citada como um dos estopins da implicância que se instauraria ao redor da sua imagem. Ao olhar para trás, a própria Hathaway reconheceu que a fama a desestabilizou, tanto que em 2014, disse à Vanity Fair que “a fama a prejudicou por muito tempo”, descrevendo estresse, insegurança e uma busca intensa por identidade em meio ao caos.

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Desse caos nasceu o termo “Hathahate”, rótulo que simplificou e amplificou o desgaste. Em retrospecto, o Business Insider descreveu a onda como um “ódio” sem causa, gerado pela superexposição e por a culparem de ser "pouco autêntica". A própria atriz, em 2024, detalhou o impacto industrial: “muita gente deixou de me dar papéis” por medo da toxicidade da sua “identidade online”.

O Hollywood Reporter contextualizou a fala, e o Decider registrou outra frase que deu uma dimensão de como isso a afetou: “Humilhação é algo duro de enfrentar. A chave é não deixar que isso te trave.” É a confissão de quem viu as luzes da ribalta se apagarem para ela, e mesmo assim se negou a deixar de brilhar.

As causas desse “cansaço da imagem”

Não houve um único motivo. O que se viu foi uma combinação de saturação midiática, expectativas sobre sua performance e um componente de gênero nada sutil. Parte da crítica insistia em rotulá-la como “polida demais”, “certinha”, “montada”, leituras que diziam tanto sobre nós, sobre Hollywood, quanto sobre ela. No perfil de 2024, a Vanity Fair reforçou que Hathaway tentava existir sob o peso da fama, ainda descobrindo como “ser” em público sem se dissolver nesse papel.

A maratona de prêmios de Les Misérables também a tornou onipresente. Esse “estar em todo lugar” foi lido como um “overacting fora de cena”, um julgamento difícil de rebater porque não se trata de fatos, mas de impressões. Em 2014, Hathaway verbalizou que “não sabia o que fazer, nem como lidar com o fato e que isso a estressava”, deixando claro o retrato de alguém aprendendo a existir sob o peso das lentes.

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E se as redes aceleraram o desgaste, há um elemento que hoje pode se apontar sem cerimônia: o sexismo. A Stylist diz que o sexismo cobra menos dos homens e desconfia do entusiasmo feminino. Em resumo, parte do “cansaço” não era “sobre Anne”, mas sobre como a sociedade lida com mulheres muito visíveis por muito tempo.

Plataformas e colunas de cultura pop amplificaram cada gesto, cada movimento, e o “Hathahate” virou meme explicativo. A Stylist argumentou que a reação tinha raiz misógina, e que mulheres a quem se atribui “desejos demais” como ambição, polidez, teatralidade, alegria, costumam pagar um pedágio simbólico. São cobradas por isso.

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Dar um Tempo

O problema com o público levou a consequências concretas: as propostas rarearam. “A minha identidade online ficou tóxica”, disse ela, e isso diminuiu convites, o que a levou a um hiato. A Marie Claire e a ABC News comentaram que o hiato foi, em parte, imposto, em parte estratégico. Já em janeiro de 2014, no Sundance, Hathaway admitiria o óbvio: “Minha impressão é que as pessoas precisavam de uma pausa de mim”. Era um distanciamento para se reorientar.

A pausa foi contenção e escolhas mais pontuais. Menos tapete vermelho, menos exposição. Na Vanity Fair de 2014, ela reconheceu a recuperação da figura pública e a libertação de não depender do like das redes. É um gesto simples: admitir que a exposição adoece, e que sair de cena por um tempo pode ser, paradoxalmente, a única forma de continuar na cena.

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Frases de uma entrevista de 2014 marcam o reconhecimento da ferida que isso deixou na atriz que não negou a humilhação, mas escolheu não se fechar. E a mensagem reaparece, dez anos depois, em conversas de 2024: “A humilhação é algo muito difícil de se superar. O segredo é não deixar que ela te impeça de fazer nada.” É uma ética de trabalho quando se está sob ataque: não abrir mão de ousar.

Virando a Página

A virada tem nome e sobrenome: Christopher Nolan. Enquanto parte da indústria temia a “radioatividade” da Hathaway, o diretor a escalou para Interstellar (2014). Em 2024, a atriz voltou a chamá-lo de “anjo” e creditou ao filme a sua restauração pessoal. Não foi um milagre de relações-públicas, foi um papel sólido em um grande projeto cinematográfico, que lhe devolveu a imagem no que sempre a sustentou: trabalho.

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Passada a tormenta, Hathaway recalculou um pouco sua rota: alternou projetos, abraçou comédias, transitou por produções médias sem a pressão de se “provar” para alguém.

No fim, Anne Hathaway atravessou uma tempestade cultural que hoje é mais fácil nomear do que era na época: saturação amplificada pela internet e temperada por vieses de gênero. Ela não saiu ilesa (ninguém sai), mas fez do silêncio uma volta por cima. O gesto mais forte talvez tenha sido o menos esperado: continuar. E continuar sem pedir licença, mesmo após todo o ataque injusto que sofreu apenas por trabalhar demais.

Pedro Pascal, o novo rosto da onipresença

E, cruzando essa mesma linha tênue que Hathaway atravessou há uma década, entre a adoração e a saturação, temos Pedro Pascal, o novo queridinho de Hollywood.

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Depois de duas décadas de papéis discretos, ele explodiu globalmente, tornando-se um dos rostos mais presentes do streaming, do cinema e das franquias mais rentáveis do planeta. Sua ascensão foi tão rápida e tão bem distribuída entre gêneros, públicos e plataformas, que a pergunta que começa a se formular é: até que ponto tanto brilho consecutivo pode resistir sem que venha o cansaço?

A ascensão

Antes do atual reinado como astro global, Pascal passou anos transitando entre pequenos papéis em séries e filmes, até que um único personagem mudou tudo: Oberyn Martell, o Príncipe de Dorne, em Game of Thrones (2014).

Foi essa breve, porém marcante participação que o apresentou ao grande público. Pascal entrou tarde na quarta temporada e saiu cedo, mas o impacto foi grande. Seu Oberyn era elegante, sensual, vingativo. Em poucos episódios, ele virou ícone. As redes o transformaram em um símbolo instantâneo de carisma latino e intensidade emocional, e a indústria, de repente, percebeu que havia ali um ator capaz de ser tudo ao mesmo tempo: o herói, o vilão, o amante e o soldado.

Em seguida veio The Mandalorian (2019), que o colocou no centro do universo Star Wars, e The Last of Us (2023 e 2025), que consolidou o domínio do ator na era de ouro do streaming. Em menos de cinco anos, ele passou de coadjuvante cult a ícone pop.

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Mas Pascal não parou aí. Entre 2024 e 2025, ele embarcou numa maratona de produções simultâneas que atravessam o espectro inteiro do cinema contemporâneo, de Ridley Scott (Gladiator II) à Marvel (Fantastic Four), passando por Celine Song (Materialists), Freaky Tales e The Uninvited. O trânsito entre o autoral e o blockbuster, como pontuou a Vanity Fair, é algo raro, e isso é também o combustível do mito e da fadiga.

Os títulos se amontoam em seu currículo: Strange Way of Life (2023), de Pedro Almodóvar; Drive-Away Dolls (2024), de Ethan Coen; The Wild Robot (2024), onde empresta voz ao raposinho Fink da DreamWorks; Freaky Tales (2025), etc. Essa sequência de projetos simultâneos, com a imprensa pontuando cada uma de suas estreias, festivais e coletivas quase semanais, fez de Pascal o rosto mais presente de 2024 e 2025.

E, como todo rosto que o público vê em excesso, o fascínio pode virar asco.

O mesmo mecanismo, outro contexto

Quando Anne Hathaway ganhou o Oscar em 2013, a percepção de sua imagem se distorceu, ela não errou em nada, mas o público passou a vê-la demais.

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Com Pascal, o perigo é o mesmo, embora o pacote seja diferente. Em vez de discursos de premiação, temos uma avalanche de franquias, memes e superexposição digital. Ele é “o daddy da internet”, o rosto sorridente de todas as entrevistas de tapete vermelho. Uma voz das causas das minorias. O cara cheio de empatia com a ansiedade alheia. O mesmo aconteceu com Hathaway, quando a narrativa de “garota perfeita de Hollywood” começou a ser contada tantas vezes que deixou de soar espontânea.

A Variety já deu uma pequena mostra disso ao destacar que o calendário de Pascal em 2024–2025 é quase sobre-humano e se sobrepõe em janelas de lançamento apertadas, alimentando uma cobertura constante. O público o vê todos os meses, o tempo todo. No entanto, a lógica da fama moderna é paradoxal: quanto mais alguém aparece, mais o público anseia por novidade, até que a figura que fascinava começa a parecer um déjà-vu.

Porém, a indústria não oferece descanso, ela exige presença. A pergunta é se ele conseguirá encontrar, ou se saberá o momento, para pausar, e se o público permitirá que ele as tenha antes de enjoar de vê-lo em telas.

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Por que isso acontece?

Essa reação do público de "amar primeiro e enjoar depois" é um mecanismo simples e cruel da cultura de massas. A novidade alimenta a dopamina, a repetição a dilui.

Quando um ator aparece “em tudo, o tempo todo”, três engrenagens começam a trabalhar. A primeira é a fadiga de exposição, a imagem deixa de ser acontecimento e vira ruído. O carisma, antes raro, continua eficiente, porém cansativo.

A segunda é a saturação memética: a imprensa e as redes repetem as mesmas imagens, o “papel de sempre”, o mesmo tique, a mesma persona, e a complexidade do intérprete, do ator, da pessoa, se comprime em um estereótipo. Quanto mais a figura é recortada para caber no meme, mais o público sente que “já viu esse filme”.

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A terceira é o aumento da expectativa: cada nova estreia precisa superar a anterior, quando não supera, porque quase nada supera por muito tempo, instala-se frustração, que vira ironia, que vira má vontade, e, se o ciclo persiste, se torna antipatia declarada.

Há ainda o ingrediente social: a câmera vira espelho. Vemos o ator em toda parte e começamos a projetar tédio, cobrança, pequenas implicâncias: “fala igual”, “ri igual”, “interpreta sempre o mesmo papel”. O amor inicial, alimentado por surpresa e escassez, dá lugar a uma avaliação punitiva: “se está em todo canto, tem de ser perfeito sempre”. Como perfeição não existe, a plateia cria narrativas para explicar a saturação: “forçado demais”, “fake”, etc.

Foi o que ocorreu com Anne Hathaway, a persona “polida” lida como artificial, e é o risco que ronda quem vive um calendário hiperlotado como o de Pedro Pascal. Não é preciso um escândalo, basta a superexposição.

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Como escapar do ciclo

Hathaway, depois da tempestade, aprendeu que não há carreira que sobreviva à necessidade constante de estar à vista. Recuou, reavaliou e voltou com projetos pontuais. Pascal, que se encontra no ápice, talvez precise aprender isso mais cedo, antes que a curva da adoração se transforme, de novo, na curva do descaso.

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Os dois atores são, no fundo, reflexos de duas eras distintas do mesmo vício cultural: consumir ídolos até o esgotamento. Ela viveu isso na era pré-TikTok, ele vive na era do meme, onde um ator pode ser amado, sexualizado, viralizado e cobrado, tudo em 48 horas.

No fim das contas, o segredo da permanência na era da saturação é o mesmo que o da arte: saber quando aparecer e quando deixar o público sentir saudade.

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E quanto a você?

E então, leitor ou leitora: acha que um ator ou atriz deveria deliberadamente dar um descanso à sua imagem, reservando pausas e escolhendo os projetos com menor visibilidade para evitar o desgaste público, ou acredita que o melhor caminho é aproveitar o hype ao máximo e aceitar todos os projetos possíveis?

Qual das estratégias você considera mais sábia? Ou será que o equilíbrio entre os dois seria a melhor resposta?

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