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Review de Uma Mulher Comum: Quando a Imagem se Torna Prisão

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Um filme que mergulha nas entranhas da vaidade, da inveja e das inseguranças, tudo isso com um tempero agridoce daquela relação nada saudável com a sogra. Confira nossa análise a seguir!

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تمت مراجعته من قبل Tabata Marques

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Sinopse de Uma Mulher Comum

Lançado em 24 de julho pela Netflix, Uma Mulher Comum (A Normal Woman, no título original) é um thriller psicológico tailandês dirigido por Lucky Kuswandi, que também assina o roteiro ao lado de Andri Cung.

O longa é estrelado por Marissa Anita no papel de Milla, Dion Wiyoko como Jonathan Gunawan, Widyawati como Liliana Gunawan e Mima Shafa como Angel.

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Na trama, acompanhamos a vida de Milla: uma bela socialite com tudo o que muitos sonham em ter: um marido influente, uma filha adorável, riqueza, prestígio e a imagem de uma família digna de capa de revista. Mas essa fachada perfeita começa a ruir quando Milla é acometida por uma misteriosa doença de pele, que parece não ter causa nem cura.

Conforme os sintomas se agravam, ela passa a ter alucinações e a perder a noção do que é real e o que é fruto da sua mente.

No centro desse colapso físico e psicológico, um nome surge: Grace. Obcecada, Milla acredita que Grace é a chave para desvendar o enigma de sua condição e, talvez, de si mesma.

Um Mundo de Aparências

Desde o início, sentimos que o filme propõe uma crítica direta às aparências, sejam elas físicas, sociais ou emocionais. Ele mergulha fundo na pressão de parecer perfeito: como nos comportamos, como os outros esperam que sejamos. E, principalmente, como o controle obsessivo sobre essa aparência pode nos sufocar lentamente.

Logo no início, vemos Milla acordar de madrugada para se arrumar e organizar a casa antes da chegada de uma equipe de jornalistas, que irá fotografar sua família “perfeita” para a capa de uma revista de variedades. Mas não demora para percebermos que a harmonia ali é apenas uma encenação. Um exemplo sutil, mas revelador, ocorre quando os funcionários substituem o arranjo de flores escolhido por Milla por outro, a mando de sua sogra, Liliana.

Mais adiante, durante a sessão de fotos em família, um grande arranjo floral está encobrindo o rosto de Liliana. Milla sugere mover o arranjo, mas a sogra ordena que o fotógrafo apenas mude o ângulo da câmera. O resultado? Quem desaparece da foto é Angel, a filha adolescente de Milla e neta de Liliana. Logo entendemos o motivo: Angel não se encaixa no padrão estético imposto por aquela família e, por extensão, pela sociedade.

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No universo de Milla, tudo gira em torno das aparências. A família precisa parecer irretocável, e os rostos, impecáveis. Mesmo que isso signifique submeter a neta a uma cirurgia plástica precoce, moldando-a ao ideal alheio.

Esse ambiente sufocante se traduz também na estética do filme: a casa é sombria, marcada por cores frias e corredores estreitos. Milla atravessa esse labirinto todos os dias, ainda antes do amanhecer, tentando deixar tudo “perfeito” antes que sua sogra encontre algo para criticar.

Um detalhe notável é o cuidado com a direção de arte. As escolhas de cor, os móveis rígidos, a fachada de linhas retas e tons neutros, tudo colabora para intensificar a sensação de aprisionamento. A arquitetura da casa ecoa o conceito do filme: perfeição como cárcere. Ponto altíssimo para a produção.

Uma Família Invejável Onde Não Se Cabe

Mais uma vez, o filme escancara a frivolidade ao redor de Milla: quase todos os comentários que ela ouve a seu respeito giram em torno de sua beleza. Reduzida a uma casca reluzente, ela é tratada como um ornamento, admirado, mas vazio.

Milla vive para manter a casa em ordem imaculada, agradar à sogra, posar como esposa-troféu e fazer reels promocionais com o marido, tudo isso sob os holofotes de uma vida perfeitamente encenada.

Nos raros momentos em que sai de casa, como no clube frequentado pelo círculo social do marido, precisa ouvir das “amigas” o quanto ele é maravilhoso, bonito, um verdadeiro prêmio. Como se ela fosse apenas a felizarda que o exibe ao lado, e não uma mulher com vida própria. E mesmo quando presencia uma das senhoras dando em cima de seu esposo, precisa sorrir com elegância; afinal, é isso que se espera de uma mulher polida da alta sociedade.

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Mas por dentro, ela sangra. Literalmente. O resultado desse sufocamento é mais uma crise de estresse: Milla se automutila, abrindo uma ferida no pescoço, um ato de desespero silencioso que se tornará, mais adiante, um ponto crucial da narrativa.

Naquela mansão feita de aparências e porcelanas finas, os únicos respiros de humanidade que Milla encontra estão em sua filha Angel, na cozinheira Irah e no jardineiro Hatta. São os únicos que a veem além da superfície, ainda que brevemente.

Tudo ao redor da bela mulher precisa ser tão controlado, tão calculado, tão “perfeito”, que é como se ela fosse uma peça fora do molde, calçando sapatos que não lhe servem e que a ferem a cada passo. E o mais trágico: mesmo dentro do seu próprio sangue, ela não encontra amparo, pois sua mãe também se mostra distante, rasa e pouco confiável.

Não é à toa que a doença começa a dominá-la na pele e na mente. A enfermidade de Milla é física, sim, mas carrega raízes muito mais profundas. Ela brota de um passado não resolvido, de uma dor emocional antiga.

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O Marido Filho

Não podemos deixar de falar sobre Jonathan, o marido de Milla, um personagem que encarna, com precisão incômoda, o arquétipo do homem que nunca cresceu.

Jonathan é o típico filho que vive à sombra da mãe, protegido por uma redoma dourada desde sempre. Nunca precisou se posicionar, jamais foi ensinado ou teve permissão para amadurecer. Um homem de meia-idade com o emocional de um adolescente mimado, vaidoso, bem-sucedido e emocionalmente vazio.

A figura de Liliana, sua mãe, é o epicentro do controle. É ela quem dita as regras, os padrões e até as flores da mesa. Jonathan, como um boneco bem vestido, obedece.

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Quando Milla mais precisa de apoio, de amparo, de alguém que a enxergue além da aparência, Jonathan desaparece. E, no instante em que ela deixa de se encaixar no molde da mulher perfeita, quando adoece e sua aparência se transforma, ele simplesmente a descarta. Como quem enjoa de um brinquedo que perdeu o brilho.

Jonathan é o tipo de homem facilmente manipulável, seja por uma mãe superprotetora ou por qualquer mulher dissimulada que saiba como controlá-lo. Vive num teatro de perfeição, mas não sabe lidar com nada que saia do script. E é justamente essa dinâmica familiar, essa fachada bem polida, que torna tudo ainda mais horrendo: por fora, a imagem da família ideal; por dentro, rachaduras que gritam. Uma casa sem lar. Um casamento sem cumplicidade. Um pai sem voz.

A Filha Desagradável

A narrativa não poupa o espectador ao expor o desprezo de Liliana por tudo o que ela considera “feio”, e esse julgamento começa, sem pudor, pela própria neta.

Desde o incidente com a foto da revista até a cena em que Angel, vítima de bullying online, confessa à mãe que a avó quer lhe pagar uma cirurgia facial, sentimos o peso da violência estética que atravessa gerações.

A reação de Milla é intensa, um rompante que, mais adiante na trama, ganha contornos ainda mais profundos. Há uma dor ali que vai além da indignação momentânea.

Quando confrontada, Liliana diz que “Angel não é bonita” e segue afirmando que Milla não vai querer ver a filha sofrer por causa da aparência.

E aqui está o detalhe que torna tudo ainda mais perverso: Angel é apenas uma adolescente comum. Um pouco acima do peso, rosto arredondado, nariz largo, acne. Uma menina real. Como tantas. Como a maioria.

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Mas, nesse universo moldado por filtros e idealizações digitais, o comum virou defeito. O natural virou anomalia.

Liliana não é apenas uma sogra cruel; ela é a encarnação viva do que as redes sociais sussurram (ou gritam) todos os dias: você não é suficiente.

Seja mais magra. Seja mais simétrica. Seja mais vendável.

As falas expositivas de Liliana são o eco humano daquilo que os algoritmos jogam em nossas caras sem trégua: você só será bela com procedimentos caros, ácidos importados, hidratantes milagrosos e maquiagens perfeitas. Jamais do jeito que é. Jamais sem a ajuda da indústria.

E o mais assustador é perceber como isso é ensinado como se fosse uma forma de amor. Como se mutilar a própria identidade fosse um ato de proteção.

Liliana quer moldar Angel não por ódio, mas porque acredita que está salvando a neta de um mundo que pune a diferença. E essa “boa intenção” torna tudo ainda mais cruel.

Não É a Flor

Já na segunda metade do filme, é Hatta, o jardineiro, quem planta a semente mais preciosa: uma reflexão simples, mas que muitos, como Milla, demoram a enxergar. Ou evitam enxergar.

Às vezes, o que nos adoece não está dentro de nós. Está ao redor. Está no ambiente em que insistimos em viver, nos moldar, nos encaixar.

Quantas vezes nos forçamos a permanecer em lugares que acreditamos ser “o melhor para nós”, mas que, na verdade, só nos drenam? Que não revelam o nosso brilho, mas nos apagam lentamente?

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Será que esse lugar (essa casa, esse relacionamento, esse ciclo social) realmente nos faz florescer? Ou estamos apenas murchando em silêncio, dia após dia, tentando caber onde não há espaço para quem somos de verdade?

A cura, às vezes, começa quando percebemos que parte da doença vem do lugar. E então escolhemos sair dele.

Sair para nos reencontrar. Sair para nos cuidar. Sair para ocupar espaços onde somos bem-vindos, sem precisar nos podar, sem precisar sangrar.

Porque não é egoísmo escolher a saúde emocional. É sobrevivência.

O Rosto de Grace

Quando Milla descobre o passado de Grace, quando a verdade finalmente vem à tona, ela compreende, sem espaço para dúvidas, o que realmente importa para seu marido e sua sogra: controle e perfeição. Tudo aquilo que escapa do ideal irretocável deve ser isolado. Esquecido. Substituído.

Nesse instante, Milla entende que já não pertence àquela família, nem deseja mais pertencer. Percebe que tudo o que sempre quis foi ser livre. Não da responsabilidade, mas da prisão disfarçada de luxo e obediência.

Livre da escravidão silenciosa que é viver segundo os padrões de Liliana, que confunde proteger a família com vender uma imagem inumana, inalcançável, irreal.

Tudo o que Milla queria era simplicidade: os pés na terra, o rosto ao vento, os cabelos enfeitados por flores. Mas lhe deram um espelho que cobrava sempre mais, que nunca refletia quem ela era, apenas quem deveria ser.

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Quando roubaram o rosto de Grace e a memória de Milla, suas vidas foram distorcidas. Deram a elas destinos que jamais escolheriam. E quando a verdade emergiu, Milla não foi acolhida.

Foi culpada. Pela sogra, a quem sempre tentou agradar. Pelo marido, a quem sempre apoiou. Surge então a pergunta: por quem ela se sacrificou tanto? Por que se anulou tanto?

No fim, para eles, Milla nunca foi mais do que um rosto bonito. E quando esse rosto começou a rachar, a perder o brilho... Ela deixou de ser alguém. Tornou-se um erro. Um corpo a ser esquecido.

Mas talvez, justamente aí, nas rachaduras, começasse a nascer a mulher real. Não a perfeita. Mas a que, enfim, se reconhece.

Uma Beleza

Desde os primeiros minutos, o roteiro nos envolve com um mistério denso: o que está acontecendo com Milla? Por que essa doença bizarra a acometeu? O que suas alucinações têm a ver com tudo isso? Essa tensão é bem construída e segura a atenção até que as peças comecem a se encaixar.

Visualmente, o filme é agradável. A fotografia trabalha com tons sóbrios, que contribuem para o clima psicológico e claustrofóbico da narrativa. Em alguns momentos, o visual deixa claro o que é real e o que está apenas na mente de Milla, o que pode ser considerado um pequeno anticlímax, já que o gênero costuma se beneficiar da ambiguidade. Ainda assim, isso não compromete a experiência.

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O filme brilha em algumas simbologias. Os pés machucados de Milla simbolizam o desconforto constante de viver onde não pertence. As paredes escuras da mansão refletem o aprisionamento emocional em que ela vive. Os pontos de luz suave no quarto de Angel representam o último resquício de ternura, o único refúgio. E os escorpiões na sopa de Liliana, mesmo sendo alucinações, funcionam como metáforas diretas do veneno emocional que contamina a mente de Milla.

Esses pequenos detalhes enriquecem a história, construindo uma narrativa cheia de significados, onde o visual fala mesmo quando ninguém diz uma palavra.

Ficou Feio

Algumas falas, como a de Hatta no jardim, soam excessivamente explicativas. Embora a reflexão seja importante, a entrega poderia ser mais sutil, metafórica. Àquela altura, o espectador já compreende o que está adoecendo Milla. Dizer o óbvio subestima a inteligência de quem assiste.

A falta de desenvolvimento de personagens secundários também incomoda. Jonathan, por exemplo, é reduzido a três características: vaidoso, mimado e dependente da mãe. Sabemos que ele é emocionalmente imaturo, mas o roteiro não avança nisso. Isso emparelha uma personagem rica e complexa como Milla com um homem raso, o que levanta uma questão: o que ela viu nele? Faltou profundidade para essa relação e mais camadas para Jonathan.

A decisão final de Angel também soa incoerente. Depois de tudo que presencia, sua escolha de permanecer naquele ambiente tóxico parece forçada. O roteiro tenta pintar isso como um ato de maturidade, mas, na prática, soa como um recuo imaturo, servindo mais à conveniência da trama do que à coerência da personagem.

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A personagem Érika, peça-chave na reviravolta final, surge de forma improvisada. Sua entrada em cena dá a impressão de que Jacarta é um pequeno vilarejo onde as pessoas se encontram por acaso, o que compromete a verossimilhança. Seria mais interessante se Érika tivesse sido introduzida gradualmente, aparecendo em flashbacks ou momentos com Grace, construindo sua importância de forma mais orgânica.

O roteiro também aborda brevemente o fanatismo religioso, mas logo abandona o tema, sem aprofundar ou agregar impacto à narrativa. Esse tópico parece mal resolvido e teria sido mais honesto deixá-lo de fora.

Por último, a crítica à obsessão estética, apesar de válida, sofre com excesso de obviedade. Questões como o desprezo de Liliana poderiam ter sido trabalhadas com mais elegância, reveladas em olhares, silêncios ou falas dúbias, ao invés de serem escancaradas. A narrativa perde um pouco de sutileza ao ser tão direta.

Vale a Pipoca?

Uma Mulher Comum é um daqueles filmes com um tema excelente, mas que poderia ter sido mais bem lapidado. Com mais simbolismo e menos explicação didática, a trama teria rendido debates mais profundos e múltiplas interpretações sobre identidade, estética e poder.

Ainda assim, para quem procura um filme de final de semana, que oferece algo além do básico pipoca-ação, vale a sessão.

Mas e aí... depois desse review, bateu aquela curiosidade? Que diabo de doença é essa que acomete Milla? Quem é, afinal, Grace? E Liliana, será melhor ou pior que sua sogra?

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